Entrada de catálogo redigida pelo Professor Doutor Vítor Serrão (FLUL), no âmbito da exposição: “Monserrate Revisitado: a coleção Cook em Portugal“, realizada no Palácio de Monserrate, Sintra (PSML), entre 22 de Novembro de 2017 e 30 de Maio de 2018
NETO, M. João (Ed.). Monserrate Revisitado: a coleção Cook em Portugal. Lisboa: Caleidoscópio, 2017
” Trata-se de uma excelente natureza-morta, devida a Pieter Casteels III (1684-1749), pintor e gravador de sucesso, considerado um dos especialistas de um género que era tão apreciado do tempo e foi alvo de larga exportação para os mercados de arte de toda a Europa. Natural de Antuérpia, Casteels III foi autor de bodegones representando arranjos florais associados a espécies exóticas de aves e peças de caça diversificadas, que muito o popularizaram, e se multiplicaram por museus e colecções particulares, sobretudo de Inglaterra e da Bélgica. Casteels III era filho e discípulo de um pintor de paisagens com o mesmo nome (Pieter Casteels II), com quem se iniciou na arte (HAIRS e FINET, 1985, pp. 417-420). Por vezes, o artista é confundido com Peter Frans Casteels (Casteels I), um pintor de naturezas-mortas activo em Antuérpia no fim do século XVII, com o qual não tinha relações familiares, e que lhe é inferior no estilo.
A peça que se apresenta na colecção Cook mostra a excelência das suas qualidades de pincel, com uma modelação fina e minuciosa dos elementos inanimados, e grande atenção aos pormenores naturalistas das flores e do pato, bem como ao jogo de luz com que sabiamente realça os valores plásticos numa ambiência geral de penumbra. No tempo em que o pintor viveu, viragem de séculos XVII-XVIII em que a natureza morta adquiriu indiscutido estatuto de autonomia, conquistando os mercados aristocráticos e atingindo altos preços, o valor das descrições miméticas dos objectos que se organizam na superfície representada assumia um duplo papel, realista e simbólico. Assim, quadros como este explicam-se pelo profundo sentido de comunicação que podiam oferecer aos espectadores, não só pelo virtuosismo inerente ao acto de saber registar elementos do mundo, natural e animal, mas também pelas inerentes estruturas de pensamento que o arranjo final veicula (CHERRY, 2010).
O artista revela um rigor académico o mais possível especializado, o que explica que, a seguir à morte de Jacob Bogadani em 1724, se tornasse o mais apreciado pintor desta corrente em Antuérpia, o que também justifica o altíssimo valor com que as suas pinturas eram transacionadas nos mercados de toda a Europa. Algo recorda na pintura de Casteels III a arte do alemão Melchior d’Hondecoeter (1636-1695), ou ainda, como já foi sugerido, a do rubensiano Peter Snyders (1659-1657), ainda que numa visão mais artificiosa e pós-barroca, mais sensorial e menos filosófica (LIEDTKE, 2012, pp. 347-348).
Em 1708, Casteels III partiu de Antuérpia para Londres onde alcançou renome neste género de pintura e, ainda, como executante de cópias de pinturas antigas. Foi membro da prestigiada Academia de Pintura e Desenho de Londres e, ainda, membro do Rose and Crown Club. De regresso a Antuérpia em 1712, dá entrada nesse ano na Guilda de São Lucas e aí trabalha até falecer, na sua casa de Richmond. Será ele o autor, em 1726-36, de duas famosas séries de gravuras, que receberam projecção internacional, sobre os Dozes Meses das Flores e os Doze Meses dos Frutos, onde de novo se revela inspiração na obra de Snyders. Também realizou actividade relevante como desenhador de motivos têxteis, num género que lhe possibilitou a divulgação dos seus motivos florais num outro suporte e em larga escala.”
Vítor Serrão
BIBL.:
GREGORY, Martin (1970). The Flemish School, 1600–1900, National Gallery Catalogues. London, National Gallery.
HAIRS, Marie-Louise, e FINET, Dominique (1985). The Flemish flower painters in the XVIIth century. Paris, Lefebvre et Gillet.
KOSLOW, Susan (1995). Frans Snyders, The noble estate. Seventeenth-century still-life and animal painting in the southern Netherlands. Antwerp, Fonds Mercator Paribas.
LIEDTKE, Walter A. (2007). Dutch Paintings in the Metropolitan Museum of Art. New
York.
CHERRY, Peter, et al. (2000), A Perspectiva das Coisas. A Natureza Morta na Europa. 1º vol. Lisboa, Museu Gulbenkian.
A Casa-Museu agradece a colaboração do Professor Doutor Vítor Serrão da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Proveniência
A pintura pertenceu à coleção do Palácio de Monserrate, Sintra, provavelmente na época de Sir Francis Cook (18017-1901), 1º Baronete Cook, 1º Visconde de Monserrate, colecionador de arte e mecenas inglês. Desconhece-se a sua proveniência.
De acordo com uma campanha fotográfica das salas do palácio, a pintura encontrava-se na Sala Indiana.
Medeiros e Almeida adquiriu a pintura no leilão do Palácio Monserrate, realizado na Casa Liquidadora Leiria e Nascimento, Ldª. (Rua do Ouro, 292 – 1º esq.), Lisboa, em 7 de Novembro de 1946, lote 266, por 145.000$00.
NOTA:
A propósito da exposição, recomendamos a leitura do artigo constante do catálogo da exposição, do investigador e historiador de arte Hugo Xavier: “1946. Monserrate em leilão”: https://www.academia.edu/37209536/1946._Monserrate_em_Leil%C3%A3o
In: NETO, M. João (Ed.). Monserrate Revisitado: a coleção Cook em Portugal. Lisboa: Caleidoscópio, 2017
NOTA: A investigação é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito deste texto, por favor contacte-nos através do correio eletrónico: info@casa-museumedeirosealmeida.pt
Palácio de Monserrate, Sintra – Exposição: “Monserrate Revisitado: a coleção Cook em Portugal” PSML – créditos Luís Duarte
Pater Casteels III (1684-1794)
c.1708
Antuérpia, Flandres
Óleo sobre tela
Alt 194cm / 220,5cm (c/moldura) x larg. 166cm / 192cm (c/moldura)