Emblemática era a arte de unir uma imagem a um mote, criando um significado diverso daquele que teriam inicialmente em função dessa associação. Tal processo semiótico de caráter sincrético no qual se encontravam vinculados um desenho ou pintura a uma inscrição lacônica e sentenciosa teve seu momento de maior difusão no século XVII. Das penínsulas Itálica e Ibérica, os emblemas, ou alegorias, chegam ao Novo Mundo, onde multiplicam-se, particularmente na Nova Espanha. Quando Mollica acrescentou textos, em tupi e latim inventados a seu modo, às suas aquarelas de peixes amazônicos, abacaxis e bananas – comentando toda a forma de colonização, mesmo a taxionômica -, é possível que não atentasse para o fato de estivesse criando ‘emblemas’, séculos após sua voga.
Entretanto, quando expôs na área experimental do MAM, em 1978, “Brincas comeu brinco? um manifesto lúdico – bestialógico” ele se referia explicitamente à criação de uma ”alegoria ambiental”. Um nervoso, ou neurótico negar da comunicação manifesto em “uma ânsia dorida de se comunicar”, nas palavras de Milllôr Fernandes à época, ao comentar o esvaziamento da carga semântica das palavras, em favor dos trocadilhos.
Sua manobra atual parece denunciar a apropriação ou mimetização de certas poéticas glamourizadas da historia da arte. Aponta a relação desejo, objeto de consumo e estetização, milhas distantes do projeto moderno de integração arte/vida. O uso da arte e seu vocabulário por parte dos editoriais das revistas de arquitetura de interiores, em expressões carregadas de estereótipos, vazias de sentido. Frases como “let us bild your dream”, ou “the ultimate expression of your good taste”, povoam as janelas deixadas pelo artista em seus recentes trabalhos.
A retomada da gestualidade expressiva parece imputar o hedonismo 80’: Transvanguarda, bad painting, o retorno da pintura e a retomada do mercado. Aqui é necessário um esclarecimento: a primeira etapa de produção é realizada diretamente sobre páginas fotocopiadas de revistas de decoração. O gesto não é largo, é realizado na prancheta. É a mão, contida, e não o corpo a pintar. A pixar, a interferir na imagem, eclipsá-la sob a camada de cor que cobre parcialmente a página, dando a ver apenas um pequeno texto. Diversos materiais – pastéis oleosos, tinta acrílica, óleo, nanquim, abrem janelas que enquadram o que lhe interessa ressaltar. As sentenças escolhidas pelo artista são poupadas, não são eclipsadas pela cor. Sugerem a leitura, e como nas alegorias, aderem-se às imagens, para produzir um efeito maior que a soma das partes. A palheta, a da página eleita, ainda que submetida a posterior tratamento no computador. Só então são ampliadas, numeradas como páginas de revista e impressas. Devolvidas ao mundo, criam um ambiente, instalam-se arquitetonicamente, ironia final.
Temos agora, de certo modo, um pouco do Mollica da mostra experimental de 78: multimídia, crítico, irônico, icônico. Conhecido por seu trabalho em jornais e revistas como desenhista de humor, dele extrai não apenas o traço ágil, o domínio artesanal, a habilidade gráfica. Mollica domina o modo como a informação é trabalhada nas redações, sabe como as imagens podem estar a serviço de algo distinto à sua gênese. Sua obra comenta não a diluição, mas o constante reiterar, o caráter enfático, o excesso, da mídia impressa. A mentira repetida mil vezes, que passa a verdade.
Revista revista baseia-se na convicção de que as obras de arte atuam, nos editoriais de decoração, como agregadores de valor simbólico. Recorda que sobre o destino das obras – ou dos conceitos, ou do que escrevemos sobre ambos – não há controle. Nos lembra a lição de Courbet. Remete, como escreveu Reynaldo Roels na última exposição do artista, ”àquilo que a sociedade sacraliza para rapidamente dessacralizar; àquilo que os hábitos transformam em símbolo e em seguida exploram como a meretriz”.
Rosana de Freitas
Curadora (interina)
Museu de Arte Moderna
Sala de Exposições Temporárias
13/10/2009 - 20/10/2009
13:00 - 17:30
Entrada Livre