Placa de alabastro de Nottingham, em alto-relevo, representando a Adoração dos Reis Magos. Os três magos carregam os presentes que oferecerão ao Menino (ouro, incenso e mirra); dois deles estão em pé num segundo plano enquanto o terceiro, no primeiro plano e sem chapéu, aparece ajoelhado frente ao Menino que está sentado no colo de Maria. Por trás da Virgem, podem-se ver as cabeças da vaca e o burro.
Toda a placa estaria originalmente pintada, porém hoje em dia só se conservam vestígios desta policromia nas vestes (azul e encarnado), nos cabelos e coroas (dourado), e no cabelo e rosto do Rei Baltazar (preto e castanho).
A Adoração dos Magos:
“ (…) E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o Menino, parou. Ao ver a estrela, sentiram grande alegria, e entrando na casa viram o Menino com Maria, Sua mãe. Prostrando-se, adoraram-n’O, e, abrindo os cofres, ofereceram-Lhe presentes: Ouro, incenso e mirra. (…) ”.
Evangelho de São Mateus (2, 9-11)
A Adoração dos Magos só é mencionada no Evangelho de Mateus (2,1-12) e em alguns evangelhos apócrifos (Evangelho Apócrifo de Tiago e Mateus e o Evangelho Árabe da Infância de Jesus). Estes Magos seriam astrólogos vindos de Oriente (em nenhum texto se especifica que fossem reis) que, segundo alguns textos – e comummente aceite pela tradição -, teriam chegado poucos dias após o nascimento do Menino e, segundo outras fontes, após a circuncisão e a apresentação no Templo, o que explicaria a ordem de Herodes de matar todas as crianças até aos dois anos de idade.
Também há divergências em relação ao número de magos, que varia entre os dois e os quatro, sendo que na igreja Síria seriam 12 em correspondência às 12 tribos de Israel e os 12 Apóstolos. Finalmente será o número três que se viria a impôr na tradição, tal como vemos nesta representação, já que seriam três os presentes oferecidos ao Menino: ouro em homenagem à realeza de Cristo, incenso em relação com a sua divindade, e mirra como antecipação do seu destino de morrer para redimir à humanidade. Este número também se presta a diversas simbologias que serão associadas a estas personagens, como as três idades do homem (Melchior -o mais velho dos três-, Gaspar -o mais novo-, e Baltazar -o homem maduro-), ou as três partes do mundo conhecidas na altura (Ásia, Europa e África).
Os “Sete Prazeres da Virgem Maria”:
Esta placa formava provavelmente parte de um conjunto maior, um retábulo, que seria composto por outras placas de características similares enquadradas por uma moldura de madeira, sendo que todo o conjunto seria pintado e dourado. Poderia tratar-se de um retábulo destinado à devoção particular, numa época onde a difusão pelo Ocidente de Europa da moda dos oratórios particulares estava em crescimento e estas placas, de pequeno tamanho, seriam fáceis de transportar sem grande perigo de fratura.
Sendo que o tema desta peça é, como já foi dito, a Adoração dos Reis Magos, parece acertado pensar que o retábulo de que formasse parte fosse dedicado ao Ciclo da Vida de Cristo ou então, tal e como noutras peças de alabastros de Nottingham, aos Sete Prazeres da Virgem Maria. Conhecem-se no mínimo nove exemplos de retábulos de alabastro ingleses com o tema das Alegrias da Virgem, mas nenhum em que se conservem todos os painéis.
Os prazeres ou alegrias (a Virgem dos Prazeres), enumeradas por vez primeira por um novico franciscano, seriam: a Anunciação do Anjo, as Saudações de Sta. Isabel, o Nascimento de Jesus, a Visita dos Reis Magos, o Encontro com o Menino no Templo, a Primeira aparição do Ressuscitado e a Coroação no Céu. Por contra, existiriam também as Sete Penas da Virgem (Nossa Senhora das Dores), que seriam: as Profecias de Simeão sobre Jesus, a Fuga da Sagrada Família para Egipto, a Desaparição do Menino Jesus durante três dias, o Encontro de Maria e Jesus a caminho do Calvário, Maria observando o sofrimento e morte de Jesus na Cruz, Maria recebendo o corpo do filho tirado da Cruz e Maria observando o corpo a ser depositado no Santo Sepulcro.
Os alabastros de Nottingham:
O Alabastro é um mineral composto por sulfato de cálcio, normalmente branco e translúcido, podendo confundir-se com o mármore, de pouca dureza, o que o torna fácil de trabalhar, e com uma superfície apta para receber policromia e douradura.
A abundância de minas deste mineral no centro de Inglaterra (Strafford, Nottingham, Derby e York), fez com que a produção escultórica em alabastro durante os séculos XIV e XV se concentrasse nesta zona, passando estas peças a ser conhecidas como “alabastros de Nottingham”. Os tipos produzidos incluíam esculturas em ronde bosse, decoração para túmulos, placas individuais e retábulos.
Esta produção era de tipo oficinal, porém as peças carecem de marcas ou assinaturas. Podiam ser realizadas por encomenda ou, mais comummente, de forma seriada, tal como revela a escolha de temas universais, a iconografia repetitiva e o tratamento simples da maior parte delas. Esta repetibilidade também estará relacionada com o facto de que desde muito cedo houve não só uma produção para o interior, como também para a exportação para o resto da Europa, nomeadamente a partir do século XV.
No século XVI o esgotamento de algumas jazidas de alabastro, a saturação dos mercados que estavam agora mais virados para a Flandres e, nomeadamente, o Anglicanismo derivado da crise religiosa iniciada por Henrique VIII, levarão ao gradual desaparecimento desta produção.
A presença de numerosos alabastros ingleses em Portugal (à volta de 50 peças de alabastro de finais do século XIV e século XV), estaria explicado pelo facto de os dois países estarem ligados económica e politicamente (tratado de comércio com D. Dinis, tratado de Tagilde, tratado de Windsor) e a aproximação ainda maior após o casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre em 1387. Porém, é possível que alguns destes alabastros tenham chegado mais tarde, aquando da destruição das imagens religiosas em Inglaterra durante a fase iconoclasta, na que muitas peças conseguiram ser salvas por meio da exportação.
Proveniência:
O historial desta peça é desconhecido, sabendo-se só que já formaria parte da colecção do Sr. Medeiros e Almeida em Dezembro de 1945, já que a dia 12 desse mês, tanto esta como a outra peça de alabastro inglês da colecção, foram mandadas restaurar a um restaurador espanhol em Lisboa por 2.500$00.
Um outro alabastro de Nottingham na Casa-Museu:
A outra placa de alabastro inglês da colecção será de princípios do século XV e de maiores dimensões que a da Adoração dos Reis Magos (50x37cm).
Nesta peça, em que se representa o tema da Coroação de Nossa Senhora, o trabalho de relevo será mais ligeiro (médio relevo) e com menor profusão de pormenores. Existirão também vestígios da policromia original, nomeadamente de dourados e vermelhos, e o característico padrão de margaridas de seis pétalas em tons esverdeados no fundo.
No centro aparece a Virgem Maria sentada, ladeada por duas figuras masculinas; Deus Pai (que segura na mão esquerda o globo terrestre) e Cristo (que sustenta uma cruz processional e estende a mão direita em atitude de bênção); ambos seguram uma tiara com a que coroam Nossa Senhora. Por cima da cabeça de Maria aparece representado o Espírito Santo em forma de pomba, que também participa na coroação ao segurar com o bico o topo da coroa.
Este episódio da Coroação da Virgem, não é mencionado na Bíblia, a sua fonte será a obra do Bispo Melitão de Sardes (s. II), que seria mais tarde popularizada por Gregório de Tours (s.VI) e por Jacques de Voraigne na Legenda Dourada (s.XIII). Este capítulo está inserido no ciclo da Glorificação da Virgem e formará também parte das Alegrias de Nossa Senhora, pelo que esta placa provavelmente faria parte de um retábulo que abordaria uma destas temáticas.
Samantha Coleman-Aller
Casa-Museu Medeiros e Almeida
Bibliografia:
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CHEETHAM, Francis W., Medieval English Alabaster Carvings in the Castle Museum Nottingham, The City of Nottingham, Art Gallery and Museums Committee, 1962
CHEETHAM, Francis W., Portugal e os alabastros medievais ingleses, Conferência proferida no MNAA, Lisboa 1981
COUTO, João, Alabastros de Nottingham, Separata de Arqueologia e História, 8º série, Vol. XII, Ass. Arqueólogos Portugueses, 1966
DIAS, Pedro, Alabastros medievais Ingleses em Portugal – subsídios para a sua inventariação e estudo-região das Beiras, Separata de Biblos, LV, Coimbra
MARKL, Dagoberto, Três Painéis de Alabastro de Nottingham do MNAA – A iconografia das ‘ST. John’s Heads’, Panorama, Revista Portuguesa de Arte e Turismo, nº46/47, IV série, Lisboa, 1973
RAMSEY, Nigel, Os alabastros ingleses na Europa, História Artística da Europa – A Idade Média, Tomo II, Lisboa, Quetzal Editores, 1998
Autor Desconhecido
Séc. XV (final)
Inglaterra, Nothingham
Alabastro e policromia
Alt. 40cm. x Larg. 32cm.