A peça:
Biombo de madeira lacada com decoração incisa policromada, de 10 folhas, decorado com cena de inspiração em gravuras europeias conjugada com elementos chineses.
Numa paisagem tipicamente chinesa enquadrada por rochedos, árvores, pontes e cursos de água desenrola-se uma cena de caçada com vários cavaleiros munidos de armas, trajados à europeia. No canto superior direito representa-se uma pequena baía, com caravelas aportadas (as embarcações não têm elementos como cruzes ou artilharia que possam afirmar a sua tipologia ou origem).
Do lado direito avança um cortejo bastante aparatoso acompanhado de cavaleiros. Os personagens masculinos são representados com narizes alongados, com barba e bigode e cabelos encaracolados, iconografia que, para os chineses e japoneses, caracterizava os ocidentais. Ao fundo, no centro, avista-se uma cidade não identificada, envolvida por muralhas na qual se destacam construções de tipo ocidental, algumas encimadas por cruzes.
O biombo está envolvido por um friso de pares de dragões de quatro patas perseguindo a pérola da sabedoria; simbologia auspiciosa chinesa.
Tem sido sugerido por alguns autores que se pode tratar de uma representação de personagens portugueses, que chegam nos seus navios à China, e cujo “capitão-mor” se dirige em cortejo para uma povoação cercada por muralhas, podendo-se assim alvitrar a hipótese de se tratar de Macau.
O biombo é uma peça invulgar devido às reduzidas dimensões – os biombos mais comuns têm cerca de 2m de altura, medidndo cada folha cerca de 50 cm. -, a ser formado por dez folhas (normalmente são 12), por reproduzir na sua decoração elementos ocidentais e por ter o reverso liso, sem decoração (trata-se portanto de uma peça para encostar). As poucas camadas de laca atestam uma produção para o mercado de exportação (de menor qualidade e menos dispendiosa), e o tema decorativo indica o público a que se destina.
Curiosamente, a designação Coromandel, atribuída pelos franceses no século XVIII a produtos de laca provenientes do Oriente, relaciona-se com a rota de exportação para a Europa (iniciada pelos portugueses). Coromandel é uma zona costeira no sudeste do subcontinente indiano, onde se estabeleceram entrepostos comerciais das potências europeias, sendo um dos pontos de paragem da rota de exportação de produtos chineses como porcelanas e lacas ou de produtos indianos como pequeno mobiliário e têxteis para a Europa.
A laca:
A laca é a seiva de um pinheiro asiático Rhus Verniciflua (ou árvore da laca – espécie inexistente na Europa), um material que no seu estado líquido é aplicado em várias camadas a objectos de madeira – previamente cobertos por aparelho de gesso – dando-lhes uma camada protectora e assim produzindo objectos duráveis.
Depois de seca e polida a laca era incisa com diferentes desenhos sendo os alvéolos que daí resultavam preenchidos por camadas de laca com pigmentos de várias cores ou por pintura a óleo.
Produzidos na China e Japão desde longa data, a presença de móveis e peças lacadas na Europa deu-se em grande quantidade a partir do século XVII, altura em que ao mercado chegavam estes objectos orientais que fascinaram os europeus. A estes produtos os portugueses chamaram “charão”…
Proveniência:
O biombo foi adquirido em Paris, na Galerie Charpentier, em Março de 1946.
A peça veio acompanhada de uma carta escrita por Sir Basil Gray, do Departamento de Antiguidades Orientais do British Museum de Londres, datada de Setembro de 1955, na qual atesta a autenticidade da peça, identifica a temática e classifica como peça produzida em finais do séc. XVII.
Maria de Lima Mayer
Casa-Museu Medeiros e Almeida
Desconhecido
Dinastia Qing (1644-1911), Reinado Qianlong (1736-1795)
Província de Hunan (prov.), sul da China
Madeira, laca
Altura: 55,5 cm.X Largura:158,5 cm.