“Catarina de Bragança” John Riley
A Casa-Museu possui um pequeno núcleo de peças relacionadas e coevas da princesa portuguesa e rainha de Inglaterra, Catarina de Bragança. As peças encontram-se expostas num pequeno corredor que liga a ala nova do Museu à ala antiga, correspondendo ao espaço habitado pelos donos da casa. Entre diferentes tipologias e materais, destaca-se a pintura com um retrato de aparato de Catarina de Bragança.
A obra
D. Catarina de Bragança (1638-1705), filha do rei D. João IV de Portugal (1604-1656) e de D. Luísa de Gusmão (1613-1666), nasceu em Vila Viçosa, onde habitou até ao casamento com Carlos II de Inglaterra em 1662. este matrimónio surge no âmbito de uma acção política e diplomática do pós-Restauração, que visava encontrar apoio e reconhecimento internacional da nova dinastia portuguesa. É famoso o seu dote que incluiu as cidades de Bombaim na Índia e Tânger em Marrocos.
Catarina foi rainha de Inglaterra até à morte de seu marido em 1685, tendo permanecido neste país até 1692, ano em que regressa a Portugal onde reinava então o seu irmão D. Pedro II, vindo a morrer em Lisboa, no Palácio da Bemposta em 1705.
A rainha foi retratada de corpo quase inteiro, sentada de lado com a mão direita junto ao decote do vestido e a mão esquerda pousada no braço da cadeira. A monarca enverga um luxuoso vestido de seda azul acinzentada bordado a fio dourado, com aplicação de joias, contornado por renda e arminho, que dada a sua magnificência, poderá ter sido, ou representar, o seu vestido de casamento. Ao pescoço usa colar de grossas pérolas bem como brincos de péroloas e ainda uma fiada de pérolas no cabelo completando o penteado que cai em caracóis sobre os ombros, com fita adornada de rubis com pendente ao centro.
Dos ombros pende um manto de veludo escarlate forrado a arminho que cai sobre as costas da cadeira de talha dourada e entalhada com figuras femininas visíveis no braço e espaldar, estando a rainha sentada ao lado de uma mesa, também dourada e entalhada com figuras femininas, sobre a qual se pousa a coroa real, a qual D. Catarina nunca pôde usar dado não se ter convertido à igreja Anglicana. O enquadramento é completado por um panejamento suspenso de veludo escuro, cuja execução não raras vezes, foi entregue por Riley a membros da sua oficina.
A obras está emoldurada com talha dourada e entalhada.
Toda a representação remete para um retrato de aparato, muito ao gosto da corte inglesa da época.
John Riley, pintor retratista de renome entre a aristocracia inglesa e nos reinados de Carlos II e de Jaime II, foi nomeado pintor oficial da corte em 1689 no reinado dos monarcas William e Mary. O seu sucesso ficou a dever-se ao facto de os seus retratos deixarem transparecer o realismo dos modelos. Riley no entanto, só foi reconhecido numa fase avançada da vida, após a morte dos famosos Peter Lely (1618-1680) e James Kneller (1646-1723) seus antecessores no cargo de pintores da corte.
Obra de J. Riley: https://artuk.org/discover/artists/riley-john-16461691/view_as/grid/search/artists:riley-john-16461691/page/1
Atribuição
O retrato foi adquirido para a coleção Medeiros e Almeida como sendo uma obra atribuída ao pintor flamengo Jacob Huysmans (c.1633-1696), um dos principais pintores da corte de Carlos II, rival de Peter Lely, altamente patrocionado por D. Catarina de Bragança de quem fez vários retratos.
Tendo pertencido por longos anos a uma importante família da aristocracia inglesa – Rothe Bellew – , é compreensível que a obra fosse considerada como sendo de um dos maiores pintores da corte Stuart.
A investigadora Doutora Susana Varela Flor, na sua tese de doutoramento (Tese de doutoramento, História (Arte Património e Restauro), Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2010) “Aurum reginae or Queen-Gold : a iconografia de D. Catarina de Bragança entre Portugal e a Inglaterra de seiscentos” (publicada em 2012 pela Fundação Casa de Bragança: Aurum Regina or Queen Gold : Retratos de D. Catarina de Bragança entre Portugal e a Inglaterra de seiscentos), analisou centenas de representações da rainha onde se incluiu o retrato da Casa-Museu, propondo esta autora uma nova atribuição e datação.
Assim, a nova atribuição aponta para o pintor inglês, também pintor da corte, John Riley (1646-1691) e para a década de 70 de seiscentos; cerca de 1670-1674.
Proveniência
De acordo com o arquivo de compras da Fundação Medeiros e Almeida, existe correspondência datada de outubro de 1964, entre o colecionador e o antiquário Leggatt Brothers (30 St. James St.), de Londres sobre a compra de um retrato de D. Catarina de Bragança. Existe também correspondência, em data incerta, com a leiloeira Soares e Mendonça, de Lisboa, sobre o mesmo assunto mas nenhuma destas tentativas foi levada a bom termo mas demonstram já o interesse do colecionador em adquirir um retrato de Catarina de Bragança.
O retrato da coleção foi adquirido para Medeiros e Almeida, a George Bellew, Inglaterra (em cuja família esteve durante cerca de 200 anos), através do agente C.O. Husum (R. Sampaio Pina, 50-2ºd.to), de Lisboa, em 2 de Maio de 1968, por 195.000$00, com a já referida atribuição ao pintor flamengo Jacob Huysmans (c.1633-1696). De acordo com informações do proprietário, a pintura terá estado na coleção da família durante cerca de 200 anos, possuindo certificação “pela mais alta autoridade”.
Sir George Rothe Bellew, KCB, KCVO, KStJ, FSA (1899-1993), que viveu na Little Dower House, em Old Windsor no Berkshire, Inglaterra, após uma vida dedicado ao College of Arms, foi promovido em 1950 ao cargo de oficial da Garter Principal King of Arms, o mais alto cargo heráldico em Inglaterra e no País de Gales. Nesse âmbito, organizou o funeral do rei Jorge V, proclamou Elizabete II como rainha e coordenou a cerimónia da sua coroação em 1953.
A Casa-Museu agradece a contribuição da Doutora Susana Varela Flor no estabelecimento da nova autoria e datação da pintura. Devidamente documentadas estas informações vêm enriquecer o inventário da coleção.
Cristina Carvalho
Casa-Museu Medeiros e Almeida
NOTA: A investigação é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito deste texto, por favor contacte-nos através do correio eletrónico: info@casa-museumedeirosealmeida.pt
Bibliografia
BENEZIT, E., DICTIONNAIRE critique et documentaire des PEINTRES, SCULPTEURS, Dessinateurs et Graveurs, Nouvelle édition, France, Librairie Gründ, 1961, vol 5, pp. 40-41
VASCONCELOS E SOUSA, Gonçalo de; “Reais Jóias no Norte de Portugal” Catálogo da Exposição, Palácio da Bolsa, Porto, 10 a 29 de Novembro de 1995 – p.13
FLOR, Susana Varela; Aurum reginae or Queen-Gold : a iconografia de D. Catarina de Bragança entre Portugal e a Inglaterra de seiscentos – Tese de doutoramento, História (Arte Património e Restauro), Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2010
FLOR, Susana Varela; Aurum Regina or Queen Gold : Retratos de D. Catarina de Bragança entre Portugal e a Inglaterra de Seiscentos, Lisboa: Fundação Casa de Bragança, 2012
“Royalty”- vol.19 nº10 -226 pg.22
“artes e leilões” janeiro 2009, pg.53