Coliseu de Roma – Destaque Janeiro 2022

DESTAQUE JANEIRO 2022

Vista do Coliseu de Roma

No corredor dos apartamentos privados do Museu encontram-se duas pinturas italianas, a óleo sobre tela, com vistas, conhecidas como capriccios, uma delas protagonizando o Coliseu de Roma.

 

Vedutismo ou “ver a vista”

A veduta literalmente, vista ou bela vista, “visão da realidade e da natureza envolvente, reproduzida segundo as regras determinadas pela perspectiva”, representação fiel de um monumento, de um lugar, de um panorama, ponto onde cai a vista, pretende reproduzir a realidade e não o imaginário. É um tipo de pintura que tem como objectivo que a representação identifique claramente um local. Feita a partir de esquissos executados in loco, era em geral terminada em oficina, local onde a imaginação do pintor se manifestava, recriando a realidade alterando ou acrescentando-lhe elementos, para “compor a vista”.

Trazida da Flandres pelos pintores flamengos que praticavam a pintura de vista topográfica desde o século XVI, e que vinham completar a sua formação artística em Itália, o gosto pela pintura de paisagem, impõe-se neste último país no século XVIII.

 

Entre os primeiros vedutistas em Itália, conta-se Caspar van Wittel (1652/3-1736) pintor de origem holandesa, estabelecido em Roma em 1674, cidade onde passou a maior parte da vida e onde morreu em 1736. O seu trabalho foi fundamental para o desenvolvimento da pintura de vista topográfica neste país, tendo influenciado directamente pintores italianos como Giovanni Paolo Paninini em Roma, mas também Canaletto (1697-1768) e Francesco Guardi (1712-1793) em Veneza e posteriormente António Joli (1700-1777) em Nápoles. A sua inovação consistia na conjugação de edifícios e de paisagem de fundo numa perspetiva abrangente, numa representação fiel à realidade.

A assimilação deste tipo de pintura pelos artistas italianos, se bem que com inúmeras alterações, como uso do conhecimento da perpectiva, permitiu uma maior aproximação à realidade afastando-se das representações fantasiosas vindas do Norte.  A noção de perspectiva usada há séculos em Itália na pintura mural e de tectos é transposta para a pintura de cavalete neste tipo de representação. A esta, junta-se ainda o uso de noções retiradas da pintura cenográfica e da quadratura.  A assimilação destas características fez nascer em Itália o vedutismo com características próprias: a paisagem não era só representada como a realidade, podia ser composta ou arranjada ao gosto do pintor ou do encomendante, sendo ultrapassada pelas composições de elementos reais organizados de forma fantasiosa.

Em Roma, o fascínio pela Antiguidade, levou a que às representações de cenas quotidianas da vivência da cidade, se juntassem a monumentalidade clássica e o vestígio arqueológico.

Indissociável do Grand Tour, viagem que pretendia complementar a aprendizagem (sobretudo) dos jovens aristocratas ingleses, que assim contactavam directamente com a cultura clássica, que só conheciam através dos livros.

 

A pintura de vistas transforma-se no objecto de rememoração por excelência, dando lugar a um profícuo mercado para os seus pintores. Recordação de viagem, a pintura prestava-se de forma ideal a este fim: os locais admirados e visitados eram representados e facilmente enrolados e transportados para casa onde eram orgulhosamente expostos, de forma a serem lembrados em qualquer ocasião.

Este tipo de pintura usava elementos retirados da realidade, reintegrava-os de forma fantasiosa dando assim origem a uma nova realidade, sendo neste caso designada por cappriccio, ou representação de elementos reais conjugados de forma imaginária.

 

 A Roma de Giovanni Paolo Panini

Giovanni Paolo Panini (ou Pannini) nasceu na cidade italiana de Piacenza em 1691.

Pintor paisagista de renome, foi na representação de vistas de Roma, que se destacou.

Terá feito a sua aprendizagem na cidade natal, onde se crê ter estudado a representação da perspectiva, essencial no seu percurso posterior, enquanto um dos principais pintores de vistas topográficas. Terá aprendido quadratura com o mais renomado cenógrafo da época: Ferdinando Galli Bibiena (1657-1743) o que lhe permitiu produzir arquitecturas efémeras com grande sucesso. Chega a Roma em 1711, continuando a formação, agora na representação da figura, com Benedetto Lutti (1666-1724) e paisagem com Andrea Locatelli (1695-1741).

Começa por se dedicar à pintura mural e de perspectiva em interiores de palácios eclesiásticos e da aristocracia, só mais tarde à pintura de cavalete. Nessa época, na cidade destacavam-se sobretudo pintores estrangeiros vindos da Holanda e da Flandres, que aí se deslocavam para aprender e conhecer in loco a arte italiana, acabando por ficar, como no caso do holandês Caspar van Wittel (1652/3-1736) – italianizado Gaspare Vanvitelli, que virá a influenciar Panini no gosto pela reprodução da vista. Van Wittel representou Roma, no seu quotidiano contemporâneo, de modo quase fotográfico, tendo-se tornado a sua pintura numa das principais fontes iconográficas para conhecer a realidade da Cidade Eterna do século XVIII.

 

Os conhecimentos adquiridos na representação da perspectiva, levam Panini a ensinar esta matéria na Academia de São Lucas e a colaborar posteriormente com a Academia de França em Roma, através do pintor francês Nicolas Vleughels, diretor da mesma. A academia acolhia os jovens pintores franceses nesta cidade, dando-lhes meios para prosseguirem e complementarem os seus estudos. Panini foi encarregue mais uma vez, de leccionar perspectiva, essencial na representação de paisagem. São várias as relações com a arte francesa estabelecidas por si, em particular no que respeita à influência sobre pintores desta nacionalidade, como Hubert Robert ou Claude Vernet, apesar do relativo pouco sucesso deste género pictórico em França.

 

A sua pintura, ao invés da de Caspar van Wittel, pautou-se sobretudo pela recriação, representando lugares reais, fantasiados, colocando elementos como vestígios arqueológicos ou pitorescos com representação de pessoas em actividades quotidianas, junto a edifícios / monumentos autênticos, criando assim uma “nova vista” imaginária, idílica, designada por cappriccio, afastando-se desta forma, da vista topográfica, característica de Wittel. Menos comum foi a sua produção de vistas verídicas ou como eram designadas, vedute prese da i luoghi, ou “vistas feitas a partir dos locais”.

A pintura de vistas, em particular a de ruínas, que Panini tão bem conhecia e tantas vezes juntou numa só pintura, recriando uma realidade imaginada, gozou de grande popularidade e procura impulsionada pelo enorme número de grand turistas, particularmente ingleses, em Roma. Principal representante do género nesta cidade, de tal forma que, a sua oficina respondia a encomendas através da execução de obras pelo seu filho e por outros ajudantes que aí trabalhavam realizando também, a pedido, reproduções do seu trabalho.

 

Não assinada ou datada, a pintura do Museu identificada como sendo da autoria deste pintor, representa uma vista da cidade de Roma. Junto ao Coliseu, numa paisagem campestre, diversos elementos com vestígios arqueológicos compõem um cenário bucólico. Várias mulheres trajando à maneira do século XVIII, lavam roupa, enquanto duas figuras vestidas à maneira clássica conversam, junto a um pequeno riacho e a uma fonte com tanque.

 

 

 

O enquadramento cenográfico é complementado por capitel e pedaço de coluna caídos no chão e por duas esculturas de cariz clássico: uma feminina e outra de leão deitado. Sobressaindo do fundo, o Coliseu rodeado por algumas casas. A junção de elementos reais como o Coliseu, com vestígios arqueológicos e a cena pitoresca, colocam esta pintura nos chamados cappriccio ou vista idealizada, característica do trabalho de Panini.

O facto de não ser assinada ou datada, impossibilita a atribuição com certeza a este pintor, permanecendo em aberto o seu local de produção (Roma?), a sua datação (primeira metade do século XVIII?), bem como a sua autoria, que poderá inclusive, ser conferida à sua oficina, ou ao seu filho, dado o elevado número de obras que estes produziram.

 

Adquirida em Lisboa, no antiquário Antiquália, em data desconhecida, esta vista de Roma, vinha classificada como sendo da autoria de Panini, atribuição que pelas razões acima expostas não confirmamos.

Giovanni Paolo Panini morreu em Roma em 1765, deixando um enorme conjunto de vistas da cidade de Roma, mas também de pintura sacra, cenas históricas e mitológicas e representações de eventos contemporâneos.

 

Cristina Carvalho

Museu Medeiros e Almeida

 

NOTA: A investigação é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito deste texto, por favor contacte-nos através do correio eletrónico: info@casa-museumedeirosealmeida.pt

 

 

Bibliografia

BRIGANTI, Giuliano – Les Peintres de “Vedute”. Electa France, [s/l], 1971

GRAZIA, Diane e GARBERSON, Eric – Italian paintings of the 17th and 18th centuries. National Gallery of Art, Washington, 1996

 

Webgrafia

Émilie Beck-Saiello, « La vue topographique en France au xviiie siècle : éclat et mésestime d’un genre », Itinéraires [En ligne], 2015-2 | 2016, mis en ligne le 15 février 2016, consulté le 28 décembre 2021. URL : http://journals.openedition.org/itineraires/2819 ; DOI : https://doi.org/10.4000/itineraires.2819

https://www.museodelprado.es/coleccion/artista/panini-giovanni-paolo/b0677e5a-d367-4031-bcfe-207f93ef0200?searchMeta=panini

https://www.nga.gov/collection/artist-info.1766.html

file:///C:/Users/User/Downloads/Panini_e_i_pittori_francesi_a_Roma_1711%20(1).pdf

Gaspar van Wittel: un pittore olandese alla ricerca di Roma* Arthur Weststeijn, 2013 – file:///C:/Users/User/Downloads/Gaspar_van_Wittel_un_pittore_olandese_al.pdf

Autor

Giovanni Paolo Panini (1691-1765) - Atribuído

Data

Séc. XVIII

Local, País

Roma (?), Itália

Materiais

Óleo sobre tela

Dimensões

Alt: 88cm x Larg: 102cm

Category
Destaque