A cómoda
A cómoda, móvel surgido ainda em finais do século XVII, resulta da evolução da arca que, passa a ter gavetas em vez de tampa. A sua capacidade de armazenamento de forma mais organizada, acessível e cómoda, do que o das arcas e baús de onde deriva, está na origem do seu nome, sucesso imediato e persistência no tempo, tendo-se tornado um móvel característico do século XVIII.
A vulgarização do seu uso poderá advir não só do aspecto prático que apresenta, enquanto móvel de conter, mas também, da possibilidade de integração nos espaços domésticos enquanto móvel decorativo, sozinho ou em par, com espelhos por cima, formando por vezes, conjunto com a decoração das lareiras
Produzidas sobretudo entre 1700 e 1730, as chamadas cómodas en tombeau coincidem com o período da regência do Duque de Orléans 1713-1725, designado por régence (tanto na política como nas artes).
As cómodas da Casa-Museu
O par da coleção cumpre todas as caraterísticas deste tipo de móvel que se caracterizam por terem uma forma paralelepipédica encurvada e bojuda, tanto na frente como nas ilhargas, lembrando formas tumulares, de onde provém o nome “tombeau”. Apresentam também duas gavetas na primeira ordem e dois ou três gavetões, assentando sobre pés curtos. A maior acentuação da curvatura do gavetão central indicia a boa qualidade da sua execução, como neste caso.
Igualmente característico da decoração deste tipo de cómoda é o recurso ao folheado e a marchetados de madeiras diferentes, formando motivos geométricos, sendo a nogueira e o carvalho as preferidas para o esqueleto, enquanto que para as decorações houve uma predilecção pelos marchetados em pau-violeta. O recurso à decoração em bronze dourado e cinzelado também passa a fazer parte do gosto, em particular dos motivos rocaille (aqui visíveis nos espelhos das fechaduras e nos sabots). Os sabots e chutes outra das particularidades das cómodas deste período, assumiam não apenas uma função decorativa mas também de proteção dos pés e ângulos dos móveis.
Os tampos em mármore, neste caso “rouge de France”, acompanham o perfil das cómodas.
O autor
De origem flamenga, Antoine Criaerd juntamente com o seu irmão mais velho Mathieu, pertenceu a uma família de ébanistas que se notabilizou entre a 1ª metade e meados do século XVIII. Desconhecemos em grande parte o seu percurso de vida pessoal e profissional no entanto, sabemos que trabalhou no Faubourg Saint-Antoine entre 1720 e 1750, local onde vários ebanistas tinham oficina, tendo possivelmente colaborado com o marchand – ébeniste Migéon.
Os dois irmãos executaram cómodas “en tombeau” que seguem o mesmo modelo, apenas com pequenas variações ao nível das ferragens ou das decorações em bronze, mas que estampilharam de forma individualizada o que nos permite atribuir a autoria das peças da Casa-Museu a Antoine dado estarem ambas estampilhadas “A.CRIAERD”, no aro, por baixo dos tampos de mármore.
Proveniência:
O par de cómodas foi vendido pela viúva de John Peter “Pit” Hornung (1862-1940), fundador da Sena Sugar Estates em Moçambique, a portuguesa Laura de Paiva Raposo Hornung (n.1868, casou em 1884).
Os Hornung viviam em Fuller’s Farm, West Grinstead, Sussex, Inglaterra, após a morte do marido, o castelo de West Grinstead Park (adquirido em 1913 por “Pit”) foi vendido e Laura Hornung propôs a venda das cómodas a António Medeiros e Almeida com o qual tinha laços familiares.
O par foi adquirido a Mrs.Hornung, através do antiquário Keeble Ltd., 34, Grosvenor Street, Londres, em Abril de 1946, por quantia desconhecida.
Cristina Carvalho
Casa-Museu Medeiros e Almeida
NOTA: A investigação é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito deste texto, por favor contacte-nos através do correio eletrónico: info@casa-museumedeirosealmeida.pt
Bibliografia
NICOLAY, Jean, L’ art et la manière des maitres ébenistes français aux XVIII siécle, Paris, 1976
THENNISSEN, André, Meubles et siéges du XVIII siécle, Paris
SALVERTE, Comte François de, LES EBENISTES DU XVIII SIECLE. Leurs oeuvres et leurs marques, 4ª edição, Paris, Vanoest- Les Editions d’ Art et d’ Histoire, 1953, p. 74.
Kjellberg, Pierre “le Mobilier Français du XVIII Siécle”, Dictionnaire des èbénistes et des Menuisiers, Les éditions de l´amateur
Catálogo “Henri Burnay – De Banqueiro a Coleccionador”, Casa-Museu Anastácio Gonçalves, Lisboa, Nov. 2003, pp. 215-17
Catálogo “Tesouros da Intimidade Real, Objectos do uso pessoal de Príncipes Europeus”, Fundação Medeiros e Almeida, Lisboa, pp. 52-3
PROENÇA, José António – Mobiliário da Casa -Museu Anastácio Gonçalves, IPM, Lisboa, 2002, pp. 153-154
Antoine Criaerd (ativo 1720-1750)
c.1720-1730
Paris, França
Carvalho, pau-rosa e pau-violeta, bronzes dourados e cinzelados e mármore
Alt. 87,5cm x Comp. 135,5cm x Larg 66cm Alt. 85,5cm x Comp. 134cm x Larg 64cm