Par de espelhos cuja superfície espelhada e molduras são de manufatura inglesa, sendo a pintura feita na China.
A pintura, feita no verso, ocupa o terço inferior da superfície espelhada e representa duas cenas do quotidiano chinês ao gosto do mercado de exportação, com a mesma tipologia; um grupo de três personagens chineses em trajes tradicionais a tocar instrumentos musicais, em fundo de paisagem, numa visão idílica, de acordo com o gosto pela ‘chinoiserie’.
À esquerda:
Na pintura do espelho representa-se em primeiro plano um casal de chineses sentado numa rocha à beira de um lago, acompanhados de uma jovem rapariga envergando o grupo cabaias bordadas que são o traje tradicional manchu. A figura masculina ostenta um chapéu cónico e elas os caraterísticos ornamentos de cabelo ‘ji’, a figura feminina sentada toca um instrumento de cordas tradicional – uma guitarra de três cordas chamada ‘erhu’ – e a figura masculina – um mandarim conforme indica a sua cabaia – tem uma taça de arroz numa mão e na outra um par de ‘fachis’. De pé, a jovem carrega um cesto com flores e tem um pássaro pousado na mão direita.
Sobre a rocha que faz de apoio, uma jarra com flores, uma travessa alta com alimentos e duas pequenas taças com tampa (chá?), uma comprida flauta e ainda, junto à figura feminina, uma écharpe e um leque fechado. Em primeiro plano um casal de pombos, um faisão e uma galinhola junto a um charco entre flores e ramagens à beira do lago. À esquerda da composição ergue-se uma estrutura arquitetónica tradicional com diferentes pavilhões e um embarcadouro, à esquerda outra estrutura de menores dimensões. No lago navegam embarcações de trabalho e de passeio com os seus característicos pavilhões fechados. O horizonte é delimitado por montanhas e arvoredo.
À direita:
A composição pictórica deste exemplar compreende três personagens chineses tocando música; um casal e uma jovem rapariga vestidos com cabaias bordadas e ostentando ele, um chapéu cónico e elas ornamentos de cabelo ‘ji’. A figura feminina (à esquerda), sentada num banco, toca um instrumento de cordas tradicional – a guitarra de balão ou ‘pipa’-, a figura masculina (à direita), senta-se numa estrutura onde está um tabuleiro com um bule, uma chávena e uma travessa com frutos, tocando umas castanholas ‘paiban’ e uma pandeireta. A jovem toca uma flauta transversal ‘dizi’.
Os personagens surgem num pequeno jardim fechado por gradeamento, entre flores, ramagens e um casal de patos mandarim. À beira do lago, à direita da composição ergue-se uma estrutura arquitetónica tradicional com diferentes pavilhões e à esquerda ao fundo, avista-se também casario indistinto. No lago navegam embarcações de trabalho e de passeio com os seus característicos pavilhões fechados. O horizonte é delimitado por montanhas e arvoredo.
A técnica:
Segundo os autores Soame Jenyns e Margaret Jourdain (APOLLO ANNUAL, 1948), a técnica da pintura do vidro feita pela parte de trás, terá sido introduzida na China por missionários Jesuítas, entre eles o frade Castiglione que esteve em Pequim em 1715. Trata-se de uma técnica com uma dificuldade particular; o motivo pintado é para ser visto no lado oposto ao que o pintor trabalha. Por isso, ao contrário do que acontece com a pintura sobre qualquer outra superfície, na pintura sobre vidro o artista tem de aplicar primeiro as camadas que ficarão em primeiro plano, aplicando só no fim as camadas que formarão o fundo. Esta técnica foi rapidamente aprendida e desenvolvida pelos artistas chineses, mas os vidros que se pintavam eram na sua maioria importados da Europa, pois a qualidade dos vidros chineses era inferior.
Exemplares como estes eram mandados pintar na China para ir de encontro ao gosto em voga na Europa a partir do século XVII – diga-se mesmo a mania -, de decorar, desde pequenos objetos, a salas inteiras, ‘à moda da China’. Neste tipo de decoração, conhecida como ‘chinoiserie’, os artesãos chineses limitavam-se a transmitir uma imagem idealizada da China, capturada da ideia que os ocidentais faziam do distante país, produzindo as chamadas ‘peças de exportação’ que diferem das peças de mercado doméstico no sentido em que são totalmente despidas do cuidado decorativo e da carga simbólica que caracterizam a arte chinesa.
As molduras:
As molduras em madeira trabalhada podiam ser feitas na China mas o mais frequente era serem feitas nos países para onde eram exportados; Inglaterra, França, etc., ao gosto dos proprietários e da época como é o caso dos espelhos em exposição. Moldura inglesa de madeira entalhada e dourada com entrelaçados de parras e cachos de uvas com flores, folhagem e concheados assimétricos em estilo rococó inglês característico do léxico decorativo de Thomas Chippendale (1718-1779). Este autor publicou “The Gentleman and Cabinet-Maker’s Director” (1ª edição de 1754), obra onde se elencam desenhos de diversas tipologias; armários, secretárias, cadeiras, espelhos, etc., que serviram de inspiração aos marceneiros da época e que se tornou uma referência para a história da arte.
Maria de Lima Mayer
Casa-Museu Medeiros e Almeida
Bibliografia:
CHIPPENDALE, Thomas; The Gentleman’s and Cabinet Maker’s Directory, (1745), New York: Dover Publications, Inc., 1966
EDWARDS, Ralph e JOURDAIN, Margaret; Georgian Cabinet Makers c.1700-1800, London: Country Life Ltd.,1955
JENYNS, R.S., JOURDAIN, Margaret; Chinese Pictures on Glass, in: APOLLO ANNUAL 1948, London: Apollo Publishers, 1948
MATOS, Maria Antónia Pinto de (Coord.), Uma Família de Coleccionadores Poder e Cultura, Lisboa: Instituto Português de Museus, 2001
Thomas Chippendale
Reinado Qianlong (1736-1795), 1750
China e Inglaterra
Espelho, vidro pintado, madeira entalhada e dourada