DESTAQUE OUTUBRO 2023
Fausto Sampaio: 14 obras em reserva
DESTAQUE OUTUBRO 2023
Fausto Sampaio: 14 obras em reserva
De Anadia, sua terra natal, percorrendo Portugal de norte a sul, a Paris, Goa e Macau, Fausto Sampaio (1893-1956) traz “novos temas e novas paisagens”[1] à pintura portuguesa.
A coleção do museu integra catorze pinturas de sua autoria, conservadas, desde a sua aquisição por António de Medeiros e Almeida, na sua residência e, desde a abertura do museu, nas reservas e gabinetes administrativos desta instituição.
De 5 a 30 de outubro de 2023, estas obras serão expostas pela primeira vez (acesso incluído no bilhete de entrada no museu) e apresentadas ao público, gratuitamente, na PAUSA DO MÊS (12 e 26 de outubro às 13h30)!
Fausto Sampaio (1893-1956) nasce na localidade de Alféloas, em Anadia, no distrito de Aveiro, a 4 de abril de 1893. Aos 22 meses de idade sofre uma insolação, da qual resulta a sua perda de audição, tornando-se, consequentemente, surdo-mudo. Esta incapacidade nunca viria, contudo, a limitá-lo consideravelmente, considerando-se que terá até acrescentado à sua sensibilidade artística. No final da sua vida, dada a oportunidade de recuperar cirurgicamente a audição, decide inclusive permanecer surdo[2].
Estuda no Instituto de Surdos Araújo Porto, no Porto, dos oito aos catorze anos, e depois, até aos dezanove, no Instituto de Surdos-Mudos da Casa Pia de Lisboa, onde aprende os primeiros rudimentos de desenho e pintura. Em 1912, regressa e fixa-se em Anadia, dedicando-se, “sem escola nem mestre”[3], à pintura.
Na esteira das gerações anteriores de naturalistas portugueses, decide em 1926 complementar a sua formação em Paris, embora sem o benefício de bolsas ou outros apoios financeiros. Aí permanece, intermitentemente, durante oito anos.
Inscreve-se inicialmente na afamada Académie Julian. Conta-se, porém, que “pintava às escondidas do mestre, para não lhe sofrer as influências… e as emendas, naquilo em que elas o reduziam à categoria dum imitador servil do mestre”[4]. Regressa, desiludido, a Portugal, passados apenas três meses. Retorna a Paris em 1927, frequentando a Académie Renard, de Émile Renard (1850-1930). Volta a Portugal, ainda nesse ano.
Quando regressa à capital francesa, em 1928, apresenta-se ao júri do Salon, a mais importante exposição anual de belas-artes em Paris. Embora tivesse já terminado o prazo de admissão e se tratasse de um artista desconhecido, sem recomendações, estrangeiro e surdo-mudo, é aceite por unanimidade e figura, com uma obra, na prestigiada exposição, repetindo-se a sua participação em 1929.
No entremeio, em inícios de 1929, expõe pela primeira vez, em Lisboa e a título individual, no Salão Bobone, trinta e nove óleos – dezoito “aspectos” de Paris, paisagens e marinhas portuguesas e algumas naturezas-mortas, incluindo a que o artista apresentara ao Salon no ano anterior[5]. Tratam-se de quadros de caráter fundamentalmente naturalista, com algumas incursões impressionistas, “muito apreciados pelo publico e aos quaes a critica tem feito largas referencias”[6] – e todos adquiridos.
Novamente de partida, num jantar de despedida em Anadia, afirma: “Vou para Paris mas sou português e quero ser pintor português e da Bairrada. Não gosto dos meus colegas pintores que só pintam coisas do estrangeiro. Quando aprender a pintar bem só vou pintar as nossas coisas de Portugal que são mais bonitas do que todas”[7], promessa que cumpre, ao longo da sua vida, ao retornar frequentemente aos temas paisagísticos de norte a sul do nosso país.
Em 1930 pinta diversas vistas da cidade de Paris, entre as quais as duas na nossa coleção, ambas a óleo sobre cartão de artista e realizadas en plein air, tratando-se, possivelmente, de exercícios académicos, em que se denotam as influências dos artistas contemporâneos parisienses.
“Jardim de Tuileries”[8] apresenta uma vista deste jardim, com numerosas figuras que o frequentam. A imagem é capturada em frente à Grand Bassin Rond e o jato de água deste chafariz eleva-se, em segundo plano, acima dos vultos da multidão. Ao fundo, avistam-se os edifícios ao longo da Rue de Rivoli, interrompidos por duas das suas transversais, a Rue d’Alger, à esquerda, e a Rue du 29 Juillet, à direita.
Por sua vez, “Pont-Neuf” representa esta célebre ponte, sobre as águas serenas do rio Sena, em Paris. Em primeiro plano, observa-se o cais da margem direita do rio, onde uma pequena embarcação com duas figuras a bordo está atracada. A ponte, em pedra, encontra-se sumariamente representada através de pinceladas rápidas de tinta opaca, acinzentada. Apesar disso, reconhecem-se as características estruturas em forma de torreão que avançam sobre o Sena, bem como os candeeiros de rua que as acompanham, posicionados aos pares. Sobre a ponte, entrevêem-se o topo dos carros e as cabeças das figuras que a atravessam. Erguem-se acima desta, em cada uma das margens, as árvores despidas e os telhados do casario da cidade. O azul brilhante do céu, pontuado de nuvens, reflete-se na água sob a ponte, mesclando-se com os tons cinzentos da sua sombra. Trata-se de um tema que Fausto Sampaio pintou mais do que uma vez.
Em 1934 inscreve-se na Académie La Grande Chaumière mas, poucos meses mais tarde, dá finalmente por terminada a sua formação artística em Paris.
Fausto Sampaio tem “o seu primeiro contacto com o meio colonial em 1934 através de um estágio de alguns meses de labuta artística em S. Tomé, aonde seu irmão, o Dr. Carlos Sampaio, então funcionário superior daquela colónia, o incitara a ir”[9].
A obra que produz durante este período, sobre esta temática, não encontra representação na nossa coleção. Contudo, desta viagem resultam os quarenta e cinco óleos que expõe em 1935, na primeira das suas numerosas exposições individuais na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, juntamente com obras pintadas em Portugal – diversas paisagens, duas naturezas-mortas e dois retratos – e em Paris, incluindo uma “Pont Neuf” que poderia bem tratar-se da nossa[10].
Em 1936, Fausto Sampaio parte para Macau – assinale-se, sem qualquer subsídio do Estado[11] – novamente a convite do irmão, que aí ocupa o cargo de Chefe de Serviços de Administração Civil do Território. Durante a sua estadia de treze meses, organiza uma escola de desenho e pintura gratuita, no primeiro andar da Rua do Campo, frequentada tanto por alunos portugueses como locais[12].
Acerca da curiosidade que a sua presença desperta nos artistas de Macau, refere Lopo Vaz de Sampaio e Melo que a estes lhes interessaram “não só as telas que Fausto Sampaio ali pintou, mas nomeadamente o processo de pintar, as combinações de tintas a efectuar para obter esta ou aquela tonalidade, e a técnica mediante a qual se obtém a ilusão óptica do relêvo ou da perspectiva. Cansavam o artista com preguntas e era tal a atenção com que escutavam as suas respostas e com que seguiam a sua maneira de pintar…”[13].
Em Macau, Fausto Sampaio dedica-se à composição de uma obra pictórica que vai das paisagens, naturais e urbanas, a cenas interiores e ainda retratos intimistas de gentes locais e dos seus costumes, que consideramos de extrema relevância enquanto registo iconográfico de Macau e da China colonial, sob domínio português:
“A China viu-se maravilhosamente retratada e compreendida e a sua gratidão manifestou-se na forma como foi acolhido o artista. Quando, em Macau, Fausto Sampaio nas suas ruas pintava alguns dos seus quadros, […] era extremamente consolador para os nossos corações de portugueses, ver a admiração e respeito e o carinho que os chineses lhe testemunhavam. Era como que a expressão do reconhecimento de um povo para com um artista que tão bem o compreendia. E, por isso, a Fausto Sampaio nunca faltaram modelos; e por isso Fausto Sampaio deixou um amigo em cada chinês que o conheceu”[14].
Neste contexto se insere uma das melhores obras da coleção, o expressivo retrato de um “Velho pescador” chinês, enquadrado à direita, tendo por fundo uma cena portuária.
As suas vestes são negras e amplas, a sua cabeça calva e descoberta, com barba e bigodes brancos, que acentuam a forma alongada do seu rosto, e enfrenta com o olhar o observador.
Em segundo plano, à esquerda da composição, identificam-se alguns tancás e, ao fundo, duas grandes lorchas, duas tipologias de embarcação características de Macau.
Em 1937 Fausto Sampaio expõe, em Macau, quarenta e duas obras a óleo e seis retratos a carvão, num evento com grande afluência do público, tanto português como chinês[15]. Diz-se que é também por esta altura que o artista começa a assinar a sua obra com um pincel de caligrafia chinesa[16].
Mais tarde, nesse mesmo ano, Fausto Sampaio viaja até Timor e a algumas ilhas da Indonésia. Aí pinta paisagens e retratos de personalidades locais, e, ainda em 1937, realiza uma exposição na Câmara Municipal de Díli.
As obras de S. Tomé, Macau, Timor e Macáçar (Indonésia) são expostas – muitas pela primeira vez – em Lisboa, no salão da Sociedade Nacional de Belas Artes, em dezembro de 1939, sob o patrocínio do Secretariado da Propaganda Nacional.
Em 1939 Fausto Sampaio pinta “Azenhas do Mar”, uma perspetiva do recorte da costa desta aldeia litoral.
No canto inferior direito da composição encontra-se representada a enseada onde, poucos anos mais tarde, é construída a sua célebre piscina oceânica.
Predominam os tons azuis esverdeados do mar, esbranquiçados pela rebentação das ondas, que contrastam com os ocres pálidos da falésia e do casario.
No ano seguinte, compõe uma das suas muitas representações da região do Alto Douro, uma vista elevada de uma paisagem montanhosa, com um vale profundo e rochoso, atravessado por um curso de água.
Trata-se de um trabalho a espátula, utilizando um esquema cromático por si amplamente utilizado, nas décadas de 40 e 50, para representar a região do Douro, na Régua, em Lamego, em S. João da Pesqueira, entre outras localidades.
É também em 1940 que o pintor vê os seus trabalhos dedicados ao além-mar expostos, com grande proeminência, na Exposição do Mundo Português, sendo-lhe dedicada uma sala própria na Secção Etnográfica Colonial, a “Sala Fausto Sampaio”, sita no antigo Jardim Colonial (atual Jardim Botânico Tropical)[17], em Belém.
Data de 1941 a representação do “Largo de Santa Maria”, em Beja. À direita da composição destaca-se a fachada principal da Igreja Paroquial de Santa Maria da Feira, também conhecida como Igreja da Nossa Senhora da Assunção, com a sua distintiva galilé de arcos ogivais. Por detrás desta, elevam-se as suas duas torres adossadas: a mais alta, a primitiva torre dos sinos; e a torre do relógio. Do lado oposto do largo, à esquerda da composição, sobre um declive acentuado, encontra-se a Casa da Torrinha, com a sua peculiar torre em forma de minarete. Ao centro, em segundo plano, avistam-se os edifícios da antiga Câmara (a atual União das Freguesias de Beja) e o casario. À distância, identifica-se a torre de menagem do castelo de Beja. O largo é frequentado por alguns habitantes: ao centro e em primeiro plano, uma figura que avança em direção ao observador; outra, à direita, debruça-se sobre o gradeamento em frente à igreja; e mais algumas, à distância.
No ano seguinte, pinta “Ponte Pedrinha – Aguada de Baixo”, uma vista dos campos de arroz nesta localidade em Águeda, presumivelmente, com base no título da obra, da perspetiva da oitocentista Ponte Pedrinha, nessa freguesia.
Em março de 1942 é organizada uma importante exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes[18], acompanhada de uma coletânea das conferências por esta ocasião apresentadas. Nestas, confere-se a Fausto Sampaio o título de “Pintor do Ultramar Português”[19]:
“Infelizmente, os nossos artistas não têm pintado assuntos coloniais, como se Portugal não fôsse um vasto Império, com inesgotáveis assuntos e diversidade de paisagens que é necessário tornar conhecidas como complemento e auxiliar duma educação imperial e da formação de uma consciência e mentalidade imperiais”[20].
Em 1944, Fausto Sampaio percorre a “Índia Portuguesa”, visitando Goa, Dadrá, Dadrá e Nagar Aveli, Damão e Diu, retratando as ex-províncias portuguesas através das suas paisagens e das ruínas das suas fortalezas, igrejas e outros vestígios arquitetónicos.
A obra “Rio de Goa” (Goa, 1944) constitui uma destas paisagens, representando um rio bordejado por arvoredo. Em primeiro plano, observa-se a margem esquerda, de tom alaranjado, argilosa, onde uma figura ergue uma cana de pesca em direção às águas. Por detrás desta, na linha de vegetação e arvoredo que se esbate em direção ao centro da composição, acompanhando a curva do rio, distingue-se, ao fundo, uma palmeira que se ergue acima das copas das restantes árvores. À direita do observador, alguma vegetação rasteira e árvores, que ocupam a outra margem do rio.
A segunda obra da coleção pintada em Goa apresenta-nos uma das várias ruínas que despertaram o interesse do pintor durante a sua viagem, o “Pórtico do Palácio dos Vice-Reis” (Goa, 1944), também conhecida como a porta do Palácio de Adil Shah, envolvida em vegetação rasteira e, ao fundo, por arvoredo.
Em dezembro de 1945, a Agência Geral das Colónias, sob o patrocínio do Instituto para a Alta Cultura, realiza na SNBA, em Lisboa, a exposição 115 telas e 16 desenhos a tinta-da-china de Fausto Sampaio acerca do “Estado da Índia”, e são novamente proferidas conferências em torno da temática. Entre estes desenhos, encontra-se a repetição (ou esboço?), a pena e tinta-da-china, do “Pórtico do Palácio dos Vice-Reis”, reproduzido no catálogo da exposição[21].
Em 1946 empreende a sua última viagem a África, desta feita à África do Sul, onde pinta paisagens e retratos e expõe mais de 80 telas em Joanesburgo e em Maputo (antiga Lourenço Marques). Estas são expostas novamente, em novembro de 1948, na SNBA em Lisboa, juntamente com os seus trabalhos sobre Portugal, Paris, São Tomé, Macau, Timor e Índia[22].
Durante a década de 40 expõe individualmente em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas Artes (1942, 1945, 1948, 1950 e 1952), participando também nas exposições coletivas de 1940 (37.ª Exposição de Pintura, Aguarela, Desenho, Pastel, Gouache, Gravura e Escultura), 1943 (Salão da Primavera: XL Exposição de Pintura e Escultura) e 1948 (Salão da Primavera: XLV Exposição anual de pintura e escultura) e no Porto, no Salão Silva Porto (1946 e 1949).
Em 1950 pinta a única obra da coleção dedicada à cidade de Lisboa, uma vista da estreita e íngreme “Rua da Regueira – Alfama”, num dia cinzento e chuvoso.
Na margem direita da composição, em primeiro plano, uma figura solitária, obscurecida, abriga-se sob as vigas de madeira que suportam um andar em ressalto, característico das casas deste bairro. À esquerda, um pouco mais ao fundo, entrevê-se o murete e as escadas de acesso à Calçadinha de Santo Estêvão, que uma outra figura acaba de percorrer. Ao fundo, o enfiamento dos prédios que descrevem a curva do seguimento desta rua, esbatendo-se com a distância. Ao centro, duas figuras descem a rua, afastando-se do observador. O chão, molhado, reflete as fachadas das casas e as figuras dos transeuntes. A cena é integralmente pintada em tons cinzentos e acastanhados, com a exceção do apontamento verde e alaranjado das flores que pendem de um primeiro andar, no canto superior esquerdo do quadro.
Nos seus últimos anos, Fausto Sampaio dedica-se intensamente à paisagem portuguesa, de norte a sul do país. As obras mais tardias presentes na coleção datam de cerca de 1950-1951, e são dedicadas à região de Aveiro, a sua terra natal.
“Águas da Pateira de Fermentelos”, “Flores na Pateira de Fermentelos” e “Nevoeiro no Vouga” apresentam-nos paisagens fluviais, atmosferas húmidas ou enevoadas, tiradas nas margens do rio Vouga e da Pateira de Fermentelos, por vezes habitadas por algumas figuras locais, lavadeiras ou barqueiros. Observam-se pontualmente as embarcações típicas deste território, de formato triangular e usuais na sua pintura, apelidadas de bateiras do moliço (ou bateiras moliceiras), destinadas a esta faina.
Provavelmente deste mesmo período e tema, “Lavadeiras num riacho” constitui a única pintura deste núcleo não datada e que não apresenta a usual assinatura “F. Sampaio”, a pincel, mas antes a inscrição “Fausto”, o que é pouco usual na sua obra.
Representa igualmente uma paisagem fluvial, da perspetiva do eixo longitudinal de um riacho, onde se observam três lavadeiras, de lenços na cabeça, em plena atividade. Duas destas encontram-se dentro de água, debruçadas, lavando as roupas na água; a terceira, em pé sobre a margem esquerda do riacho, com uma peça de roupa branca nas mãos. As três figuras destacam-se entre a mancha de vegetação rasteira que cobre as duas margens, refletida e mesclada com as águas. Atrás destas, ao fundo, eleva-se um conjunto de árvores esguias, até ao topo do quadro. Do lado direito, uma linha de arvoredo acompanha a linha do curso de água, em direção ao horizonte.
Na década de 50, expõe novamente com frequência na SNBA (exposições individuais de 1950 e 1952), participando também na II Exposição Comemorativa do Cinquentenário da Fundação da SNBA (1951) e na 12.ª e na 14.ª Exposição de Artes Plásticas do Grupo de Artistas Portugueses (1953 e 1954); para além da exposição individual de 1951 no Ateneu Comercial, no Porto; e duas importantes exposições individuais no Secretariado Nacional da Informação (Palácio Foz) em 1953 e 1954.
Fausto Sampaio vem a falecer na sua casa na Praça Pasteur n.º 9, em Lisboa, no início da tarde do dia em que completa 63 anos de idade, a 4 de abril de 1956[23].
Em 1973, a Agência-Geral do Ultramar organiza uma exposição retrospetiva, “Pinturas do Ultramar” e, mais recentemente, foi-lhe dedicada a exposição “Viagens no Oriente”, no Museu do Oriente em 2009, ambas acompanhadas de catálogo[24].
Em 1993 a Câmara Municipal de Anadia comemora o centenário do seu nascimento com a instalação, na Praça Visconde de Seabra , de um busto em bronze, acompanhado de paleta e pincel, da autoria de Artur Moreira (1946 -) – entretanto furtado, em 2011, e reposto em 2021 com um novo, da autoria de Pedro Figueiredo (1974 -).
Conforme já referimos, a primeira obra de Fausto Sampaio adquirida por Medeiros e Almeida terá sido o “Velho pescador” de Macau (1936), na sua exposição individual na Sociedade Nacional de Belas Artes em dezembro de 1939. Embora não exista registo desta aquisição, o exemplar do catálogo desta exposição do nosso arquivo apresenta, assinalado a lápis, os lotes da preferência do colecionador: N.º 22, N.º 36, N.º 50, N.º 54, N.º 63, N.º 65 e N.º 78. Destes, terá decidido adquirir o N.º 54 – “Velho pescador”, ilustrado na capa deste catálogo, tabelado com o valor de 15.000$00 [25]. Trata-se, curiosamente, de uma das primeiras aquisições de António de Medeiros e Almeida de que possuímos documentação.
Grande parte das obras foram igualmente adquiridas nas exposições da Sociedade Nacional de Belas Artes, nos anos de 1942 (“Azenhas do Mar”, “Alto Douro – Riacho entre penhascos”, “Largo de Santa Maria – Beja” e “Ponte Pedrinha – Aguada de Baixo”), 1945 (“Rio de Goa” e “Pórtico do Palácio dos Vice-Reis”) e 1952 (“Rua da Rua da Regueira – Alfama”, “Águas da Pateira de Fermentelos”, “Flores na Pateira de Fermentelos” e “Nevoeiro no Vouga”).
Sabemos que António e Margarida de Medeiros e Almeida terão visitado a Exposição do Mundo Português, em 1940, e as suprarreferidas exposições de Fausto Sampaio na Sociedade Nacional de Belas Artes. Algumas destas visitas, assim com a aquisição de três obras, encontram-se documentadas nas agendas de Margarida de Medeiros e Almeida.
As restantes três obras da coleção foram adquiridas por Medeiros e Almeida, postumamente, na leiloeira Soares & Mendonça: “Pont-Neuf” e “Lavadeiras num riacho”, em 1963; e “Jardim de Tuileries” em 1969.
Afigura-se plausível que Medeiros e Almeida e Fausto Sampaio não apenas se conhecessem, mas que tivessem uma relação amistosa. Os únicos artistas do século XX a quem o colecionador adquiriu obras foram Veloso Salgado (1864-1945), amigo da família, Carlos Botelho (1899-1982), seu companheiro de infância, Henrique Medina, a quem encomendou o seu retrato e o da sua esposa, e uma única obra de João Vaz (1859-1931); salvo estas pontualíssimas exceções, os seus interesses sempre se direcionaram para obras anteriores ao século XX. Contudo, adquire catorze obras de Fausto Sampaio. Estas provavelmente não integrariam a sua coleção propriamente dita; aquando da mudança de António e Margarida Medeiros e Almeida para o palacete contíguo, a fim de musealizar a sua antiga residência, estas acompanham o casal, adornando as paredes do número 44 da Rua Rosa Araújo.
O exemplar da coletânea de conferências realizadas na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa, por ocasião da exposição de Fausto Sampaio em 1942, conservado no arquivo do museu, encontra-se autografado no frontispício pelo artista – provavelmente em agradecimento pelas suas numerosas aquisições:
“Ao Sr. António de Almeida, com um grande abraço do / Fausto Sampaio / 1942”
Joana Ferreira
Museu Medeiros e Almeida
[1] “Pintor Fausto Sampaio”, Gazeta dos Caminhos de Ferro, n.º 1511, 23.º do 63.º ano (1 de dezembro de 1950): 432.
[2] Beatriz Basto da Silva, Maria Teresa Paulo Sampaio Costa Macedo, “Fausto Sampaio, the Painter of the Empire in Macau”, 11 de novembro de 2021, Fundação Rui Cunha, Macau. Vídeo. https://ruicunha.org/frc/?p=28961.
[3] “Morreu o pintor Fausto Sampaio”, Diário Popular, ano XIV, n.º 4847 (4 de abril de 1956): 8.
[4] “Um pintor, Fausto Sampaio, os seus quadros e a sua participação no “Salon” de Paris em 1928”, Ilustração, n.º 75 (1 de fevereiro de 1929): 17.
[5] J. B., “Vida Artística – Os «óleos» de Fausto Sampaio, no Salão Bobone”, O Século, 21 de fevereiro de 1929.
[6] “Vida Artística – A exposição Fausto Sampaio no Salão Bobone”, O Notícias Ilustrado, Edição semanal do Diário de Notícias, n.º 36, série II (17 de fevereiro de 1929): 16.
[7] Nuno Rosmaninho, A deriva nacional da arte. Portugal, séculos XIX-XXI (V. N. Famalicão: Edições Húmus, 2018), 310.
[8] “Jardim de Tuileries” constitui um novo título que ora se propõe. Esta obra encontrava-se anteriormente identificada como “Praça da Concórdia (Paris)”, vd. Catálogo de pinturas, aguarelas e desenhos de artistas portugueses contemporâneos e pinturas antigas… (Lisboa: Soares & Mendonça, 1969), 13, estampa XIII.
[9] Lopo Vaz de Sampaio e Melo, “A arte ao serviço do império”, Fausto Sampaio: Pintor do Ultramar Português (Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1942), 24.
[10] Fausto Sampaio, 1935 – Exposição de Pintura de 1 a 15 de Novembro (Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, 1935), cat. 67.
[11] Sampaio e Melo, “A arte ao serviço do império”, 26.
[12] Maria João Castro, “Memories of a travelling painter: Fausto Sampaio and the Portuguese empire”, Anais de História de Além-Mar, n.º XVIII (2017): 283-314 (Lisboa, Ponta Delgada: CHAM, FCSH / Universidade Nova de Lisboa, Universidade dos Açores), 290.
[13] Sampaio e Melo, “A arte ao serviço do império”, 33.
[14] Américo Pacheco Jorge, “A China que Fausto Sampaio sentiu”, Fausto Sampaio: Pintor do Ultramar Português (Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1942), 177.
[15] Caroline Pires Ting, André da Silva Bueno, “Regimes visuais do colecionismo orientalista e do fascínio sinófilo português em Macau”, Convergência Lusíada, vol. 28, n.º 37 (2017): 27.
[16] Maria de Aires Silveira, Fausto Sampaio (1893-1956). Viagens no Oriente (Lisboa: Fundação Oriente, 2009), 11; Castro, “Memories of a travelling painter: Fausto Sampaio and the Portuguese empire”, 290.
[17] Castro, “Memories of a travelling painter: Fausto Sampaio and the Portuguese empire”, 305.
[18] “Um pintor”, Diário de Lisboa, n.º 6941, ano 21 (21 de março de 1942): 1.
[19] Fausto Sampaio: Pintor do Ultramar Português (Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1942).
[20] Álvaro da Fontoura, “Alguns aspectos de Timor e a obra do pintor Fausto Sampaio”, Fausto Sampaio: Pintor do Ultramar Português, 71.
[21] Catálogo da exposição de Fausto Sampaio. Estado da Índia – 1944. Lisboa: Divisão de Publicações e Biblioteca, Agência Geral das Colónias, 1945, 35.
[22] Exposição de Pintura de Fausto de Sampaio (Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, 1948); “A Exposição de Fausto Sampaio”, Gazeta dos Caminhos de Ferro, n.º 1464, 24.º do 60.º ano (16 de dezembro de 1948): 661.
[23] “Morreu o pintor Fausto Sampaio”. Diário Popular, 8.
[24] Exposição retrospectiva de Fausto Sampaio. Pinturas do Ultramar (Lisboa: Agência-Geral do Ultramar, 1973); Fausto Sampaio (1893-1956). Viagens no Oriente (Lisboa: Fundação Oriente, 2009).
[25] Exposição de pintura: Fausto Sampaio (Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, Bertrand (Irmãos), L.da, 1939).
Bibliografia
“A Exposição de Fausto Sampaio”. Gazeta dos Caminhos de Ferro, n.º 1464, 24.º do 60.º ano (16 de dezembro de 1948): 661.
“A India Portuguesa e a lição de um pintor”. Gazeta dos Caminhos de Ferro, n.º 1606, 17.º do 67.º ano (16 de novembro de 1954): 329.
“A India Portuguesa numa bela exposição de Fausto Sampaio”. Diário de Lisboa, n.º 11470, ano 34 (8 de novembro de 1954).
“Morreu o pintor Fausto Sampaio”. Diário Popular, ano XIV, n.º 4847 (4 de abril de 1956): 8.
“Pintor Fausto Sampaio”. Gazeta dos Caminhos de Ferro, n.º 1511, 23.º do 63.º ano (1 de dezembro de 1950): 432.
“Um pintor, Fausto Sampaio, os seus quadros e a sua participação no “Salon” de Paris em 1928”. Ilustração, n.º 75 (1 de fevereiro de 1929): 17. https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/Ilustracao/1929/N75/N75_item1/index.html.
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“Vida Artística – A exposição Fausto Sampaio no Salão Bobone”. O Notícias Ilustrado, Edição semanal do Diário de Notícias, n.º 36, série II (17 de fevereiro de 1929): 16.
Almeida, Américo Chaves de. “A Terra do Ossobó. Conferência lida na Sociedade Nacional de Belas Artes, na exposição do pintor Fausto Sampaio”. Separata do n.º 185 do Boletim Geral das Colónias. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1941.
Castro, Maria João. “Memories of a travelling painter: Fausto Sampaio and the Portuguese empire”. Anais de História de Além-Mar, n.º XVIII (2017): 283-314. Lisboa, Ponta Delgada: CHAM – Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade Nova de Lisboa, Universidade dos Açores.
Castro, Maria João. O pintor viajante e o ultramar português: Fausto Sampaio e Jorge Barradas. Arte & Viagem. Lisboa: Instituto de História da Arte – Estudos de Arte Contemporânea / FCSH-UNL, 2012, 165-176.
Castro, Maria João. Pintura colonial contemporânea; da solidão da metrópole a um horizonte de possibilidades. Lisboa: ArTravel, 2021.
Catálogo da exposição de Fausto Sampaio. Estado da Índia – 1944. Lisboa: Divisão de Publicações e Biblioteca, Agência Geral das Colónias, 1945.
Catálogo de pinturas, aguarelas e desenhos de artistas portugueses contemporâneos e pinturas antigas… Lisboa: Soares & Mendonça, 1969.
Catálogo de uma valiosa colecção de pinturas portuguesas antigas e contemporâneas… Lisboa: Soares & Mendonça, 1963.
Eme, Luis; Barbara, Ema. Fausto Sampaio. Centenário do Nascimento. Anadia: Câmara Municipal de Anadia, 1993.
Exposição de Pintura de Fausto de Sampaio. Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, 1948.
Exposição de Pintura de Fausto Sampaio. Lisboa: Salão Bobone, 1929.
Exposição de pintura: Fausto Sampaio. Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, Bertrand (Irmãos), L.da, 1939.
Exposição retrospectiva de Fausto Sampaio. Pinturas do Ultramar. Lisboa: Agência-Geral do Ultramar, 1973.
Fausto Sampaio, 1935 – Exposição de Pintura de 1 a 15 de Novembro. Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, 1935.
Fausto Sampaio. Exposição de pintura na Sociedade Nacional de Belas Artes. Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, Bertrand (Irmãos), L.da, março de 1942.
Fausto Sampaio: Pintor do Ultramar Português (Coletânea das conferências realizadas na Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa, durante a exposição de Fausto Sampaio). Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1942.
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Webgrafia
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Silva, Beatriz Basto da; Macedo, Maria Teresa Paulo Sampaio Costa. “Fausto Sampaio, the Painter of the Empire in Macau”, filmado a 11 de novembro de 2021, Fundação Rui Cunha, Macau. Vídeo. https://ruicunha.org/frc/?p=28961 (consultado a 03.10.2023).
Como citar / How to cite: Ferreira, Joana (2023). Fausto Sampaio: 14 obras em reserva. Lisboa: Museu Medeiros e Almeida. https://www.museumedeirosealmeida.pt/pecas/fausto-sampaio/.
NOTA: A investigação em História da Arte é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito deste texto, agradecemos o contacto para: info@museumedeirosealmeida.pt.
Fausto Sampaio (1893-1956)
Século XX (1930-1951)
Portugal, França, Índia e China