Morte de Adónis

Morte de Adónis (par)

François Boucher (1703-1770), Paris, c.1733

Óleo sobre tela

A Obra / A História:
Estas duas obras, da autoria do pintor francês François Boucher, mostram dois momentos da vida de Adónis – o nascimento e a morte – a partir dos quais podemos desenvolver a trágica história deste personagem da mitologia grega.

Mirra, mãe de Adónis, era filha de Tias, rei da Síria. Este tinha-se vangloriado de que a sua filha era mais bonita do que Afrodite, o que provocou a cólera da deusa que, como vingança, levou Mirra a desejar o seu próprio pai. Ajudada pela sua ama, Mirra consegue enganar Tias e durante doze noites partilha o leito com ele até que, na última noite, este descobre a infâmia e tenta matar a filha. Afrodite, apiedando-se desta, transforma-a em árvore.

Nesta pintura assistimos ao nascimento de Adónis, fruto dessa relação incestuosa. O bebé acaba de nascer, atravessando a cortiça da árvore, ajudado por ninfas, as quatro jovens à direita da tela. Afrodite, em pé apoiada na árvore, fica admirada com a beleza da criança e entrega-a a Perséfone, rainha do mundo subterrâneo – mundo dos mortos – que aparece aqui ajoelhada com o bebé nos braços, para que o esconda e cuide.

Adónis cresce transformando-se num formoso jovem, o que será motivo de disputa entre Afrodite e Perséfone, ambas loucamente apaixonadas por ele. Para evitar outros males, Zeus vê-se obrigado a intervir e decide que Adónis passe um terço do ano com cada uma delas e o restante terço onde ele o entender, sendo que o jovem prefere a companhia de Afrodite.

 

No segundo quadro – A Morte de Adónis – Boucher plasma o trágico final da história de Adónis. Num dia de caçada, o jovem é atacado por um javali, animal contra o qual o tinha alertado Afrodite e que, segundo algumas tradições, teria sido enviado por Artemísia, deusa da caça que protege a castidade dos jovens, apartando-os da influência da deusa do amor, ou, segundo outras, seria uma vingança de Ares, amante de Afrodite.

Na pintura, podemos ver Adónis, já morto devido aos ferimentos, rodeado de amores desolados e dos seus cães e troféus de caça; Afrodite, vinda do céu numa carruagem dourada entre nuvens e cisnes, acaricia a cara ainda ruborizada do seu amado.

Tradições e crenças em torno do mito de Adónis:No mundo da mitologia grega, religião e vida eram impossíveis de separar, sendo através dos mitos que muitos dos fenómenos naturais eram explicados. Disto temos claros exemplos associados ao mito de Adónis:

 

As gotas de mirra: Quando Mirra, mãe de Adónis, foi metamorfoseada em árvore, chorou tanto que as suas lágrimas deram lugar a uma resina de aroma requintado: as gotas de mirra.

O ciclo da natureza: A decisão de Zeus, de Adónis passar um terço do ano com Perséfone, e outro terço com Afrodite foi interpretada como uma imagem do ciclo da natureza; a passagem do obscuro inverno (o mundo dos mortos) à luminosa primavera (mundo florido).

Rosas e anémonas: O poeta idílico Bión conta que Afrodite, ao ver o seu amado moribundo, derramou tantas lágrimas como gotas de sangue caíam das feridas de Adónis; de cada lágrima nasceu uma rosa e uma anémona de cada gota de sangue.
Segundo algumas tradições, as rosas seriam originalmente brancas, mas quando Afrodite corria, alertada pelo grito do seu amado para o socorrer, teria cravado uma espinha no pé, e será o sangue dessa ferida que pintou as rosas de vermelho, sendo por isso estas flores associadas à deusa.

“Jardins de Adónis”: Na primavera, em honra de Adónis, as mulheres plantavam em pequenos vasos sementes que regavam com água quente e punham ao sol, fazendo com que bonitas flores brotassem em poucos dias, mas que, como o formoso jovem, logo morriam, simbolizando a fragilidade da beleza.

 

O autor: 

François Boucher (1703-1770), pintor francês, ficou na história como sinónimo da pintura Rococó francesa, nomeadamente devido às suas cenas galantes carregadas de sensualidade, perfeito reflexo do espírito da época.

Já desde muito novo é evidente a sua habilidade no campo das Belas Artes, com 17 anos foi aprendiz durante um breve período com François Lemoyne. Com 20 anos, ganha o prestigiado “Prémio de Roma”, mas só irá beneficiar do prémio – uma viagem a Itália com estadia na Academia Francesa de Roma – quatro anos depois. Entretanto colabora no atelier de Jean-François Cars na realização de uma série de gravuras sobre desenhos de Watteau, artista que muito o influenciará. No seu regresso a França, em 1731, entra para a Real Academia de Pintura e Escultura – da qual anos mais tarde chegará a ser reitor – e começa uma meteórica ascensão da sua carreira.

 

Além de pintura, Boucher também desenhou cenários e vestuário para teatro e ópera, tapeçarias para a fábrica de Beauvais e mais tarde para a Real Fábrica de Gobelins – da qual será nomeado diretor em 1755 – decorações para as festividades reais, etc. Em 1675, devido em grande medida à admiração que lhe professava a Madame de Pompadour, amante do rei Luís XV com grande poder na Corte e de quem Boucher pintaria diversos retratos, foi nomeado “Primeiro Pintor do Rei”.

François Boucher foi um artista de grande versatilidade e variedade nas suas temáticas, que abrangem desde os temas religiosos aos retratos, paisagens, cenas pastoris, etc., mas ficou sobretudo conhecido pelas suas pinturas idílicas de temas mitológicos e cenas galantes, traduzindo a “joie de vivre” da época.

 

Um par de óleos semelhantes, de menores dimensões (65cm x 80cm), pertenceu a Ange-Laurent de Lalive de Jully (1725-1779), financeiro francês nomeado em 1756 “Introducteur des Ambassadeurs” – oficial de cerimónias responsável pela recepção dos embaixadores e príncipes estrangeiros nas audições com o soberano – e grande amante das artes. Como colecionador, interessou-se fundamentalmente pelos seus contemporâneos franceses, escapando à tendência generalizada da época de se focar no Renascimento e nos grandes nomes do Barroco. A sua posse está documentada até 1770, quando são postos à venda.

Ainda de acordo com registos documentais, mais tarde, as duas telas pertenceram à coleção de Mme. Denain (Pauline-Léontine-Elisabeth-Désirée Mesnage, 1823-1892), amante do político francês Trophime-Gérard Marquês de Lally-Tollendal (1751-1830), tendo sido vendidas em Paris, no leilão da Galerie Georges Petit (8, rue de Sèze), realizado a 6 e 7 de abril de 1893.

 

Proveniência:

Medeiros e Almeida adquiriu estas duas obras em leilão do Palais Galliera (10 Av. Pierre 1er de Serbie), em Paris, a 22 de novembro de 1972, por 8.100 FRF (lotes nº22 e nº23).

 

 

Samantha Coleman Aller
Casa-Museu Medeiros e Almeida

 

Bibliografia

Le Mercure, Avril 1733.

Almanaque des Beaux Arts, 1762, pp.188-190.

BENEZIT, E., DICTIONNAIRE critique et documentaire des PEINTRES, SCULPTURES, Dessinateurs et Graveurs., Nouvelle édition, France, Librairie Gründ, 1961, vol.2, pp.45-48.

Gazette de l’Hotel Drouot, nº 26, 25 Juin 1971, pp.9-10.

Palais Galliera, 22 Novembre 1972 – catálogo leilão.

VOSS, Hermann; “François Boucher early Development”, in: The Burlington Magazine, March 1953, pp. 84-86.

QUINTIN, Jeannine; Oeuvres d’Art Françaises Dans Les Musées Portugais, Alliance Française de Lisbonne, 2ª ed., 1986, p.36.

AA.VV. François Boucher 1703-1770, New York, The Metropolitan Museum of Art, Feb-May 1986.

STEIN, Pierre; Notes on the Boucher Exhibitions Marking the Trecentenary of the Artist’s Birth, in: The Burlington Magazine, Vol.164, n.1212 Mars 2004, pp.169-173.

Autor

François Boucher (1703-1770)

Data

c.1733

Local

Paris, França

Materiais

Óleo sobre tela

Dimensões

Com moldura: 118cmx94cm / Sem moldura: 150cmx125cm

Category
Pintura Francesa