“Nascimento de Adónis” e “Morte de Adónis”, Destaque Janeiro de 2012

“Nascimento de Adónis” e “Morte de Adónis” – Destaque Janeiro de 2012

Na Galeria Nova do Museu, entre mobiliário e tapeçarias coevas, destaca-se um par de pinturas a óleo setecentistas, de proveniência francesa que representam duas passagens mitológicas relacionadas com o deus Adónis.

 

 

A Obra / A História:

Estes dois quadros, da autoria do pintor francês François Boucher, mostram dois momentos da vida de Adónis, o seu nascimento e a sua morte, a partir dos quais podemos desenvolver a trágica história do personagem da mitologia grega.

Mirra, mãe de Adónis, era filha de Tias, rei da Síria. Este tinha-se vangloriado de que a sua filha era mais bonita do que Afrodite, o que desatou a cólera da deusa que, como vingança, levou Mirra a desejar o seu próprio pai. Ajudada pela sua ama, Mirra consegue enganar Tias e, durante doze noites, partilha o leito com ele até que, na última noite, este descobre a infâmia e tenta matar a filha. Afrodite, apiedando-se desta, converte-a em árvore.

Na primeira pintura assistimos ao nascimento de Adónis, fruto dessa relação incestuosa. O bebé acaba de nascer, atravessando a cortiça da árvore, ajudado por ninfas, as quatro jovens à direita da tela. Afrodite, em pé apoiada na árvore, fica admirada com a beleza da criança e entrega-o a Perséfone, rainha do mundo subterrâneo que aparece aqui ajoelhada com o bebé nos braços, para que o esconda e cuide.

 

 

Adónis cresce transformando-se num formoso jovem, o que será motivo de disputa entre Afrodite e Perséfone, ambas  loucamente apaixonadas por ele. Para evitar outros males, Zeus vê-se obrigado a intervir, e decide que Adónis passe um terço do ano com cada uma e o restante terço onde ele o entender, sendo que o jovem se encanta com a companhia de Afrodite.

A outra pintura plasma o trágico final da história de Adónis. Num dia de caçada, o jovem é atacado por um javali, animal contra o qual o tinha alertado Afrodite e que, segundo algumas tradições, teria sido enviado por Artemísia, deusa da caça que protege a castidade dos jovens, afastando-os da influência da deusa do amor, e segundo outras, seria uma vingança de Ares, amante de Afrodite. Na pintura, podemos ver Adónis, já morto por causa dos ferimentos, rodeado de amores desolados e dos seus cães e troféus de caça; Afrodite, vinda do céu numa carruagem dourada entre nuvens e cisnes, acaricia a cara ainda ruborizada do seu amado.

 

As gotas de mirra:

Quando Mirra, mãe de Adónis, foi metamorfoseada em árvore, chorou tanto que as suas lágrimas deram lugar a uma resina de aroma requintado: as gotas de mirra.

O ciclo da natureza:

Segundo decidido por Zeus, Adónis passaria um terço do ano com Perséfone no mundo subterrâneo e outro terço com Afrodite. Esta passagem do mundo dos mortos ao mundo florido da deusa do amor foi interpretada como uma imagem do ciclo da natureza; a passagem do obscuro inverno à luminosa primavera.

 

Rosas e anémonas:

O poeta idílico Bión conta que Afrodite, ao ver o seu amado moribundo, derramou tantas lágrimas como as gotas de sangue que caíam das feridas de Adónis; de cada lágrima nasceria uma rosa e, de cada gota de sangue, uma anémona.

Segundo algumas tradições, as rosas seriam originalmente brancas, mas quando Afrodite correu, alertada pelo grito do seu amado, para o socorrer, teria cravado uma espinha no pé, e será o sangue dessa ferida que pinta as rosas de vermelho, sendo por isso estas flores associadas à deusa.

 

“Jardins de Adónis”:

Na primavera, em honra de Adónis, as mulheres plantariam em pequenos vasos sementes que regavam com água quente e punham ao sol, fazendo com que bonitas flores brotassem em poucos dias, mas que, como o formoso jovem, logo morreriam, simbolizando a fragilidade da beleza.

 

O autor:

François Boucher (1703-1770), pintor francês, ficará na história como sinónimo da pintura Rococó francesa, nomeadamente devido às suas cenas galantes carregadas de sensualidade que são um perfeito reflexo do espírito da época.

Já desde muito novo é evidente a sua habilidade no campo das Belas Artes, e com 17 anos será aprendiz durante um breve período de tempo de François Lemoyne. Com 20 anos, ganha o prestigiado “Prémio de Roma”, mas só poderá beneficiar do prémio – uma viagem a Itália com estadia na Academia Francesa de Roma – quatro anos depois. Entretanto, colaborou no atelier de Jean-François Cars na realização de uma série de gravuras sobre desenhos de Watteau, artista que muito o influenciará. No seu regresso a França, em 1731, entrou para a Real Academia de Pintura e Escultura da qual, anos mais tarde, chegou a ser reitor, e começará uma meteórica ascensão da sua carreira.

 

Além de pintor, Boucher também desenhará cenários e vestuário para teatro e ópera, tapeçarias para a fábrica de Beauvais e mais tarde para a Real Fábrica de Gobelins – da qual será nomeado diretor em 1755 – decorações para as festividades reais, etc. Em 1675, devido em grande medida à grande admiração que lhe professava a Madame de Pompadour, amante do rei Luís XV com grande poder na Corte e de quem Boucher pintaria diversos retratos, foi nomeado “Primeiro Pintor do Rei”.

François Boucher foi um artista de grande versatilidade e variedade nas suas temáticas, que irão desde os temas religiosos aos retratos, paisagens, cenas pastoris, etc., mas ficará sobretudo conhecido pelas suas pinturas idílicas de temas mitológicos e cenas galantes.

 

Um par de óleos semelhantes, de menores dimensões (65cm x 80cm), pertenceu a Ange-Laurent de Lalive de Jully (1725-1779), financeiro francês nomeado em 1756 “Introducteur des Ambassadeurs” – oficial de cerimónias responsável pela recepção dos embaixadores e príncipes estrangeiros nas audições com o soberano – e grande amante das artes. Como colecionador, interessou-se fundamentalmente pelos seus contemporâneos franceses, escapando à tendência generalizada da época de se focar no Renascimento e nos grandes nomes do Barroco. A sua posse está documentada até 1770, quando são postos à venda.

Ainda de acordo com registos documentais, mais tarde, as duas telas pertenceram à coleção de Mme. Denain (Pauline-Léontine-Elisabeth-Désirée Mesnage, 1823-1892), amante do político francês Trophime-Gérard Marquês de Lally-Tollendal (1751-1830), tendo sido vendidas em Paris, no leilão da Galerie Georges Petit (8, rue de Sèze), realizado a 6 e 7 de abril de 1893.

 

Proveniência:

Medeiros e Almeida adquiriu estas duas obras em leilão do Palais Galliera (10 Av. Pierre 1er de Serbie), em Paris, a 22 de novembro de 1972, por 8.100 FRF (lotes nº22 e nº23).

 

Samantha Coleman Aller

Casa-Museu Medeiros e Almeida

 

Bibliografia:

Le Mercure, Avril 1733.

Almanaque des Beaux Arts, 1762, pp. 188-190.

BENEZIT, E., DICTIONNAIRE critique et documentaire des PEINTRES, SCULPTURES, Dessinateurs et Graveurs., Nouvelle édition, France, Librairie Gründ, 1961, vol.2, pp. 45-48.

Gazette de l’Hotel Drouot, nº26, 25 Juin 1971, pp. 9-10.

Palais Galliera, 22 Novembre 1972 – catálogo leilão.

VOSS, Hermann; “François Boucher early Development”, in: Burlington Magazine, March 1953, pp. 84-86.

QUINTIN, Jeannine; Oeuvres d’Art Françaises Dans Les Musées Portugais, Alliance Française de Lisbonne, 2ª ed., 1986, p. 36.

AA.VV. François Boucher 1703-1770, New York, The Metropolitan Museum of Art, Feb-May 1986.

STEIN, Pierre; Notes on the Boucher Exhibitions Marking the Trecentenary of the Artist’s Birth, The Burlington Magazine, vol. 164, n. 1212, Mars 2004, pp. 169-173.

Autor

François Boucher (1703-1770)

Data

c.1733

Local

Paris, França

Materiais

Óleo sobre tela

Dimensões

Com moldura: 118cmx94cm / Sem moldura: 150cmx125cm

Category
Destaque