Apesar do trabalho das duas irmãs ser muito parecido, ao contrário da irmã, Anna que não trabalhava com intuito comercial, raramente assinava os seus trabalhos, pelo que apenas um pequeno número de pinturas, pode, com certeza, ser atribuído a ela (cerca de dez obras assinadas). Ultimamente têm surgido estudos académicos que ajudam a estabelecer as atribuições, clarificando as diferenças entre o trabalho de Rachel e Anna, muitas vezes confundido. O trabalho das irmãs é representativo deste género, no qual encontramos o maior número de mulheres artista cujos nomes chegaram aos nossos dias.
Seguidora do movimento rococó, Anna faz composições de arranjos de flores caraterizados pelo uso cuidado da cor (caraterístico do último quartel do século XVII), pela representação de cariz realista e de grande atenção ao detalhe, num gosto pela natureza e pela curiosidade científica que lhe foram transmitidas pelo pai. Sobre fundo escuro que intensifica as cores e acrescenta um cariz dramático ao conjunto, como era hábito nas naturezas mortas deste período, surgem composições que preenchem a tela, assimétricas, com flores caídas para todos os lados, dispostas em equilíbrios por vezes impossíveis, mas que transmitem dinamismo. As diferentes espécies de flores, tanto abertas como em botão ou já mesmo apresentando sinais de degradação convivem na tela, mas dificilmente conviveriam na natureza, já que florescem em alturas diferentes do ano. Diversos frutos e pequenos insetos pintados com grande realismo, povoam as composições de Anna que distribui uvas, pêssegos e ameixas bem como borboletas, minhocas, caracóis, moscas e salamandras pelas suas pinturas, numa nota caraterística dos Ruysch.
Biografia e obras de Anna Ruysch – RKD: https://rkd.nl/explore/artists/69062
Anna e Rachel são contemporâneas de outros grandes nomes da natureza morta floral como Jan van Huysum, Abraham Mignon, Jan Davidsz de Heem e Simon Verelst, sendo que estes dois últimos estão representados com naturezas mortas na coleção da Casa-Museu (ambas as pinturas tiveram a atribuição certificada pelo Dr. Fred Meijer). Conheça outras obras de Anna Ruysch: https://rkd.nl/nl/explore/images#filters[kunstenaar]=Ruysch%2C+Anna
A atribuição
De acordo com a atribuição do antiquário que vendeu as obras a Medeiros e Almeida, as duas pinturas da Casa-Museu estavam atribuídas ao pintor holandês Jan van Huysum (1682-1749) um pintor de flores dos mais importantes deste género, contemporâneo das irmãs Ruysch.
A atribuição a Anna Ruysch foi feita em Junho de 2016 pelo especialista holandês em natureza morta floral, Dr. Fred G. Meijer, investigador do RKD, o Instituto Holandês de História da Arte (Netherlands Institute for Art History) que, ao estudar uma outra pintura pertencente ao espólio da Casa-Museu, solicitou informação sobre as restantes naturezas mortas com flores da coleção.
Em relação a estas duas obras, o referido especialista emitiu a seguinte opinião: “… the pair called Jan van Huysum can in my view be attributed to Anna Ruysch (1666-1741) the younger sister of Rachel Ruysch. I have sent the photos to my friend and colleague Marianne Berardi in Cleveland, who wrote a dissertation on Rachel Ruysch’s early work and we have both done research on Anna. She just wrote back saying that she fully agrees that your pair is in all likelihood by Anna Ruysch. They probably date from c. 1685-1690.
Two tulips in the second one are the same as in another painting we attributed to Anna: https://rkd.nl/explore/images/31002 and which actually derive from an example by Willem van Aelst, who supposedly taught both sisters. Closely related is also https://rkd.nl/explore/images/6167 , as well as this signed example: https://rkd.nl/explore/images/194147 “
O par atribuído a Jan van Huysum, pode, a meu ver, ser atribuído a Anna Ruysh (1666-1741), a irmã mais nova de Rachel Ruysch. Enviei as imagens à minha amiga e colega Marianne Berardi (historiadora de arte), em Cleveland, cuja dissertação aborda o trabalho inicial de Rachel Ruysch, tendo feito, e eu também, investigação sobre a Anna. Ela acaba de me responder que concorda plenamente que o vosso par é em tudo semelhante ao trabalho de Anna Ruysch. Datam provavelmente de entre 1685-1690. Duas tulipas na segunda pintura são as mesmas de outra pintura que atribuímos a Anna (…) e que derivam de um exemplo de Willem van Aelst, que supostamente ensinou as duas irmãs. Também relacionada é esta pintura (…) bem como este exemplo assinado (…). (Tradução livre da autora)
A datação das obras sugerida pelos especialistas situa as pinturas na juventude de Anna já que as terá pintado ainda no final do século XVII, com cerca de 19-23 anos.
Proveniência
As duas pinturas pertenceram à coleção de José Gaspar da Graça (Braga, 1815 – Porto 1887), Porto. José Gaspar da Graça foi um abastado comerciante da cidade do Porto, irmão da ordem de S. Francisco testamenteiro e herdeiro do Conde de Ferreira. Homem de avultada fortuna, era considerado por muitos “o senhorio do Porto” pois possuía numerosos prédios de rendimento, bens e quintas na Maia e em Arouca comprados ao Barão de Magalhães. Dedicando-se de início ao comércio de artigos de papelaria, Gaspar da Graça que tinha origens muito humildes, conseguiu reunir uma enorme fortuna, devido ao comércio de madeiras com Inglaterra (por barco). Na narrativa popular, que dificilmente entendia o sucesso e inteligência natural para os negócios de José Gaspar da Graça, atribuía-se a sua fortuna ao contrabando, tendo sido criado o mito que existiam túneis que ligavam as suas propriedades à ribeira do Porto.
O par foi adquirido por Medeiros e Almeida em leilão realizado no Porto pela Casa Liquidadora Leiria & Nascimento, L.da (292, R. do Ouro), Lisboa, a 17 de Novembro de 1946, lotes 230 e 231, por 30.000$00 cada.
Em maio de 1947, as obras sofreram intervenções de restauro pela Oficina Nacional de Beneficiação da Pintura Antiga, Escola de Belas Artes, Lisboa, cujo diretor era o Mestre-Restaurador Fernando Mardel Araújo (1884-1960).
Nota: A Casa-Museu agradece a generosa colaboração na identificação da autoria, do investigador e historiador de arte holandês, Dr. Fred G. Meijer do Instituto Holandês de História da Arte, RKD.
Maria de Lima Mayer
Casa-Museu Medeiros e Almeida
Bibliografia
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Revista “artes e leilões” janeiro 2009
Webgrafia
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Online Dictionary of Dutch Women
Rijksmuseum – https://www.rijksmuseum.nl/en/rijksstudio/works-of-art/still-lifes
RKD – Netherlands Institute for Art History – https://rkd.nl/nl/