“O Cobrador de Impostos”, Destaque Maio 2012

“O Cobrador de Impostos”, Destaque Maio 2012

Nesta pintura, conhecida como “O Cobrador de Impostos”, “O Advogado dos Camponeses”, “O Advogado das más Causas” ou “O Escritório do Notário”, é mostrado o interior de um escritório com duas janelas, uma porta entreaberta, duas secretárias cheias de papéis e inúmeros sacos pendurados pelas paredes. À direita, por trás de uma das secretárias, um personagem sentado, de barba em bico, vestimenta escura e barrete – o advogado ou cobrador – analisa um documento, flanqueado por um homem em pé à esquerda e outro homem à direita que olha para um almanaque pendurado na parede. Do outro lado da secretária uma fila de pessoas – seis homens e uma mulher-, em atitude humilde, carregando cestos e sacos com géneros para fazer o pagamento dos seus impostos, esperam a sua vez para ser atendidos. No fundo do escritório, junto da porta, um escriturário escreve alheio à confusão e à desordem dominante.

A temática:

Esta composição insere-se na tradição da caricatura europeia, não só na forma e na narrativa quase teatral, como também na temática. O tema abordado – o pagamento de impostos ou o escritório do advogado – era relativamente frequente e popular na Flandres do século XVII, resultando de uma sociedade em que a atividade financeira se tinha desenvolvido muito rapidamente.

O facto de a figura principal ter uma certa semelhança com um espanhol fez com que esta obra tenha sido identificada como uma crítica às condições sufocantes que o povo dos Países Baixos suportou durante a ocupação filipina. Porém, norma geral, estas pinturas não aludiam a personagens concretos, funcionando como reflexo da sociedade, constituindo-se sim como sátiras da avareza e corrupção dos homens de leis e da sua relação com o poder.

São vários os autores que, baseando-se na paleta de cor e em alguns pormenores – nomeadamente nas vestimentas das personagens e no facto de o almanaque à direita do quadro estar escrito em francês (não esquecendo que naquela altura o francês era a língua erudita na Flandres) -, sugerem que esta obra surgirá a partir de um protótipo francês desconhecido, havendo também a leitura de que este exemplar específico poderá ser originário de um encomendante francês. O certo é que, independentemente da fonte de inspiração, este será um dos temas inventados pelo próprio Pieter Brueghel o Novo e não, como muitas das suas outras criações, resultado de cópias de obras do seu pai, Pieter Brueghel o Velho.

Conhecem-se 91 cópias desta pintura (relação feita pelo historiador Georges Marlier em 1969) realizadas entre 1615 e 1630, muitas delas saídas do próprio atelier de Pieter Brueghel II e outras realizadas pelo seu filho Pieter Brueghel III, que diferem apenas em pormenores; esta multiplicação que resulta chocante hoje em dia, onde a exclusividade e a originalidade são qualidades per se, não era em absoluto inusual na altura, onde a reprodução de composições célebres era bem aceite sendo uma forma de responder à grande demanda por parte da burguesia em relação a certas obras que se tornaram populares.

A maioria destas cópias são de um formato similar, próximo dos 55cm x 88cm, como é o caso do exemplar da Casa-Museu, dado que eram realizadas pela técnica de trespasse conhecida como ‘punção’; porém existem alguns exemplos de maiores dimensões, à volta dos 79cm x 126cm. Esta produção a grande escala dá fé da popularidade do tema, chegando a abrir-se já em 1618 uma gravura, divulgada pelo livreiro Paulus Fürst de Nuremberga, e que foi inclusivé usada como modelo para ilustrar panfletos atacando a corrupção dos advogados. Outros autores também continuaram este tópico, como Pieter de Bloot que, em 1628 pintará um quadro com o título “O Escritório do Advogado” – hoje no Rijksmuseum de Amsterdão – com uma inscrição satírica alusiva aos homens de leis.

O autor:

Pieter Brueghel II (1564-1636), também conhecido como Pieter Brueghel o Novo para diferenciá-lo do seu pai, ou Pieter Brueghel do Inferno (esta última denominação tem sido discutida por alguns autores que não encontram sustento para a sua atribuição), provém de uma família de pintores sendo filho mais velho de Pieter Brueghel o Velho (1525/1530-1569) e irmão de Jan Brueghel (1568 – 1625). O seu filho, Pieter Brueghel III continuará também a tradição familiar.

Aos cinco anos de idade fica órfão de pai e aos 14 anos perde também a mãe. Ele e os irmãos Jan e Marie irão viver com a avó paterna Marie Verhulst de Bessemers, viúva do artista Pieter Coecke van Aelst (d’Alost). Sendo ela própria pintora miniaturista, vai ser a primeira professora dos irmãos Brueghel – Jan irá especializar-se em pintura de pequena escala (veja-se a obra ‘A Paragem’ pertencente à Casa-Museu). Mais tarde Pieter entrará como aprendiz no atelier de Gillis van Coninxloo (1544-1607), em 1585 aparece já registado como membro da Guilda de São Lucas e pouco depois casará com Elisabeth Goddelet, com quem tem sete filhos.

Pieter, ao contrário de seu irmão, nunca sairá dos Países Baixos e, embora não tenha aprendido o ofício com o seu pai, dedicará grande parte da sua carreira a fazer cópias das obras deste no seu atelier, às que juntará algumas composições próprias – nomeadamente paisagens, temas religiosos e pinturas fantasiosas – entre as quais a mais conhecida será “O Cobrador de Impostos”.

Mesmo que sempre se fale de Pieter Brueghel como o “pobre” da família em comparação com seu irmão Jan, a verdade é que, apesar de ter atravessado algumas dificuldades económicas, dirigiu um próspero atelier que recebia numerosas encomendas e no qual trabalhavam vários artistas, como testemunha a grande quantidade de obras nele produzidas.

 

Proveniência:

De acordo com a documentação, a pintura pertenceu à coleção de Christian-Charles-Louis(1853-1934), Comte Lafon, Borgonha (?), França, casado com Louise-Claire-Isabelle de Bearn Manca-Amat de Vallombrosa, Duquesa de Vallombrosa e Condessa de Lafon(d), descendente do Marquês de Sourches.

A venda da obra foi anunciado na revista Art & Curiosité, de Junho-Julho-Agosto de 1971 pelo antiquário J. O. Leegenhoek Tableaux (96, Av. Kléber), Paris, tendo sido adquirida por Medeiros e Almeida, em junho de 1971, por 120.000 FFR. Nessa altura foi feita a moldura, de tartaruga, oferta do vendedor ao colecionador.

 

Samantha Coleman-Aller

Museu Medeiros e Almeida

 

NOTA: A investigação em História da Arte é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito desta obra ou deste texto, agradecemos o contacto para: info@museumedeirosealmeida.pt

 

Bibliografia:

BENEZIT, E.; Dictionnaire critique et documentaire des Peintres, Sculpteurs, Dessinateurs et Graveurs, Librairie Gründ, France,  1961, vol. 2, p.171

FRANCO, Anísio; Realidade e Capricho. A pintura Flamenga e Holandesa da Fundação Medeiros e Almeida, Fundação Medeiros e Almeida, Lisboa, 2008

MARLIER, Georges; Pierre Brueghel Le Jeune, Editions Robert Finck, Brussels, 1969

in: ART & CURIOSITÉ, junho-julho-agosto, Paris, 1971, p.41
in: CONNAISSANCE DES ARTS, fevereiro, 1968, pp.94-100 e p. 105
Les Brueghel. Tel père tel fils, in. LE FIGARO Magazine, 23 março 2002, pp.62-67

Autor

Pieter Brueghel II (1564-1637)


Data

1616


Local


Flandres

Materiais


Óleo sobre madeira de carvalho

Dimensões

Alt. 51,9 cm. x Larg. 83,7 cm.

Category
Destaque