“Proporcionar ao trabalhador um relógio barato, capaz de dar as horas com uma exatidão tal que lhe permitisse chegar à fábrica a horas; esse era o problema a solucionar. Isto foi resolvido por um relojoeiro, o senhor Roskopf, de La Chaux-de-Fonds, cantão de Neuchâtel na Suíça.”
Comité des Arts Mécaniques, 1868
Georges-Frédéric Roskopf
Georges-Frédéric Roskopf nasceu em Niederweiler, Alemanha, em 1813. Era o quarto dos dez filhos de Georg Roskopf e Marie-Elisabeth Gmelin. Com 16 anos chegou a La Chaux-de-Fonds, na Suíça, onde durante três anos foi aprendiz de comercial para uma companhia de venda de metais e peças para relojoaria, onde ficará mais um ano já como funcionário. Em 1834, e durante dois anos, foi aprendiz de relojoeiro junto de J. Bieber. Em 1835 casa com Françoise Robert, 15 anos mais velha que ele, viúva e com dois filhos, com quem terá um outro filho, Fritz-Edouard, no ano seguinte.
Com a ajuda da mulher estabelece negócio próprio, dedicando-se nos seguintes quinze anos à manufatura de relógios mas, embora os seus relógios fossem de boa qualidade, o negócio não era rentável e acaba por vender a firma. Nos anos seguintes trabalha como gerente do ramo suíço da B.J. Guttmann Brothers, mas em 1856 decide voltar a estabelecer a sua própria empresa – a Roskopf, Gindraux & Co. -, desta vez com o seu filho e com um outro relojoeiro, Henri-Edouard Gindraux, mas a sociedade dura pouco e cada quem segue o seu caminho. Roskopf volta novamente ao fabrico de relógios começando nesta altura a acarinhar a ideia de criar um relógio resistente, fiável, mas acessível para todos os bolsos, sonho que verá concretizado, depois de muito trabalho, durante a década seguinte, e ao qual dedicará o resto dos seus anos de atividade.
Em 1872 morre a sua mulher e Roskopf decide transferir o negócio para duas oficinas com sede en La Chaux-de-Fonds, a de Charles Léon Schmid – com quem tinha trabalhado nos últimos anos – e a dos irmãos Charles e Eugène Wille, netos da sua mulher, que tinham fundado a empresa Wille Frères. Em 1873 Roskopf volta a casar e estabelece-se em Cernier. No ano seguinte, 1874, obtém a nacionalidade Suíça. Morre em 1889 em Berna.
O relógio do proletariado. A concretização de um sonho
Para perceber o impacto que o relógio desenhado por Roskopf teve no seu momento é importante situarmo-nos no tempo e no lugar em que este foi concebido. Até o século XIX o relógio era um bem reservado quase exclusivamente às elites, sendo que o seu uso era muitas vezes mais ornamental do que propriamente utilitário. Com a Revolução Industrial, a abertura de fábricas e a necessidade crescente de que os trabalhadores coordenassem os seus horários, o uso mais alargado do relógio começa a fazer sentido, porém, os relógios que se fabricavam na altura tanto do ponto de vista da manufatura, como do material, requeriam um elevado investimento que não estava ao alcance de todos.
Inicialmente a ideia de Georges-Frédéric Roskopf de criar um relógio de baixo custo mas sem por isso prejudicar a qualidade técnica, enfrentou numerosas críticas. O propósito de Roskopf era fabricar um relógio que não custasse mais do que o ordenado de uma semana de um trabalhador não especializado, o que na altura seria uns 20 francos suíços. Para isto era necessário simplificar o mecanismo – que passará a contar com 57 peças e não as habituais 160 -, otimizar a manufatura e, nomeadamente, priorizar o uso de materiais muito mais económicos do que era habitual.
A indústria relojoeira na região de Neuchâtel era uma indústria muito familiar e tradicional baseada no “établissage”, um sistema que dispersava a produção das diferentes partes do relógio por provedores que trabalhavam a partir das suas casas para uma oficina principal onde, posteriormente se montavam as peças e através da qual se comercializava o produto final. Este sistema baseava-se em grande medida em relações de confiança e lealdade entre as partes e a interferência de alguém que queria produzir um modelo completamente fora do comum – e que para isso iria necessitar peças também diferentes das habituais – era visto com receio. Para além disso, em La Chaux-de-Fonds a grande maioria dos relógios produzidos era em ouro, pelo que o uso de materiais baratos não só não era comum como era encarado de forma depreciativa, pelo que muitos trabalhadores se negaram, num primeiro momento, a trabalhar para Roskopf.
Na verdade, Roskopf não trouxe nenhuma grande novidade ao mundo da relojoaria; a sua grande aportação consistiu em vislumbrar as possibilidades de invenções já existentes e juntar estas numa nova ideia de relógio.
As características técnicas mais destacadas de um relógio Roskopf são:
O uso de uma coroa como fonte de energia (mecanismo que viria a substituir o uso de chave e que, embora na altura ainda não fosse usado de forma generalizada, já tinha sido inventado por Jean-Adrien Philippe, co-fundador da Patek Philippe & Co., em 1842). Omissão da roda central e engrenagem direta do tambor – que será de grandes dimensões para permitir o uso de uma potente mola – com o terceiro pinhão. Uso de uma plataforma para o escape independente do resto do relógio, o que facilitava a produção e a manutenção, já que esta poderia ser facilmente substituída. Uso de um escape de palhetas de cobre – hoje em dia conhecido como escape Roskopf -, que embora sujeito a um maior índice de fricção e a um maior desgaste, era muito mais barato e fácil de manufaturar do que o escape de palhetas de rubi ou safira, continuando a apresentar muitas vantagens. Acerto da hora através da manipulação direta dos ponteiros para o que o mostrador teria de ser facilmente acessível (isto será modificado numa segunda versão, sendo que a partir de 1869 existe já um mecanismo de ajuste da hora, o que fará incrementar o preço dos relógios que passará a ser de 25 francos suíços).
Para além destas preocupações técnicas Roskopf teve de enfrentar outros cavalos-de-batalha, como o abastecimento do material, o tipo de caixa – que queria que fosse simples e altamente resistente -, ou o tipo de mostrador – que no desenho original seria em papel para diminuir custos mas que, após diversas complicações, passará a ser o tradicional mostrador em esmalte.
Em 1869, mais de uma década depois e de uma geração cheia de vicissitudes e incertezas, o relógio concebido por Roskopf era comercializado com êxito por diversas companhias e exportado para diversos países, nos dois lados do Atlântico, ao que ajudou sem dúvida o facto de ter ganho vários prémios: a medalha de bronze da Exposição Universal de Paris de 1867, a medalha de prata da Exposição de Amsterdão de 1869, e de ter recebido o apoio de personalidades tão relevantes no universo da relojoaria como Breguet ou relatórios muito elogiosos como o do Comité des Arts Mécaniques.
Após Roskopf
Quando em 1872 Georges-Frédéric Roskopf decide abandonar o mundo da relojoaria, transfere o seu negócio para Charles Léon Schmid – com quem tinha trabalhado nos últimos anos e que tinha tido a ideia de apresentar este relógio a companhias ferroviárias e exércitos onde o seu preço e características o tornavam muito apetecível –, e à empresa Wille Frères. Porém, muitas serão as companhias que se autoproclamam herdeiras dos relógios Roskopf, o que foi facilitado por um deficiente sistema de patentes. A popularidade dos relógios Roskopf, que com a sua simplicidade tinham conseguido conquistar o mercado, fez com que muitas firmas começassem a comercializar cópias, de maior ou menor qualidade, que se agrupariam sob a marca “Système Roskopf” – o que dificulta enormemente a datação destes relógios. Outras empresas usaram algumas das inovações dos relógios Roskopf mas sem o uso do seu nome. Com o tempo, “Roskopf” tornou-se uma designação genérica para um certo tipo de relógio.
Nos Estados Unidos os relógios Roskopf dão lugar, em 1896, aos One Dollar Watch, relógios que usavam o sistema de escape Roskopf mas cuja manufatura era de muita mais baixa qualidade, sendo os relógios mais baratos do mercado. Estes relógios foram comercializados por diversas companhias e sob diversas denominações, muitas vezes vendidos em caixas de cartão para diminuir os custos. Após a I Grande Guerra o sistema Roskopf será também aplicado a relógios de pulso, até que este foi substituído pelos relógios de quartzo, que assumem então o mercado dos relógios de gama baixa.
Os relógios da Casa-Museu
Na coleção da Casa-Museu Medeiros e Almeida existem dois relógios dos denominados relógios Roskopf: um em exposição permanente na Sala dos Relógios e o outro atualmente em reservas:
Relógio de bolso “Système Roskopf” [Vitrina 6, nº8]
Suíça, finais do séc. XIX inícios do séc. XX
Metal dourado, aço, esmalte e plástico (originalmente vidro)
Diam. 5,7 cm Alt. 8 cm Peso 94,5 gr.
Relógio de bolso com caixa de metal dourada, decorada com estrias oblíquas e ponteado, e tampa posterior transparente que permite ver o mecanismo. O mostrador, de esmalte branco, tem numeração romana a dourado dentro de círculos encarniçados com rebordo também dourado, e marcação dos minutos por medio de ponteado a preto no perímetro exterior; no centro, escrito a preto, “SYSTÈME ROSKOPF PATENT 1ª”. Os ponteiros são os típicos ponteiros trabalhados e dourados Luís XIV, que não são os originais de um relógio Roskopf. Os vidros, tanto o anterior como o posterior, foram substituídos pelos atuais em plástico. Trata-se de um relógio de corda com coroa na parte superior, autonomia de um dia, escape “Roskopf”, oscilador de balanço e espiral plana. O acerto das horas faz-se com auxílio de um botão situado na parte superior ado aro, ao lado da coroa, tal como era próprio dos relógios Roskopf da segunda etapa.
Adquirido no antiquário Gameiro em março de 1966 pelo anterior proprietário, que o vendeu posteriormente ao Sr. Medeiros e Almeida integrado numa coleção de relógios.
Relógio de bolso “Système Roskopf” [habitualmente em reservas]
Suíça, finais do séc. XIX inícios do séc. XX
Metal (níquel?), esmalte e vidro
Diam. 5,4 cm Alt. 8 cm Peso 89,5 gr.
Relógio de bolso com caixa lisa em metal prateado. O mostrador, de esmalte branco, tem numeração romana a preto para as horas e os minutos marcados por grossos traços pretos no perímetro exterior, com indicação dos 15, 30, 45 e 60 minutos; no centro, escrito a preto, “SYSTÈME ROSKOPF PATENT”. Ponteiros Luís XIV dourados. Estampado na parte posterior, ao centro, SYSTEME ROSKOPF circundando uma flor e separado por ponteiros esquematizados; em baixo “Swiss Made”.
Adquirido em Florença, em dezembro de 1964 pelo proprietário anterior, que posteriormente o vendeu ao Sr. Medeiros e Almeida.
Nota: Em Portugal, a associação do nome Roskopf com a baixa qualidade do s materiais do produto, originou o uso comum do termo “roskopf” significando um objeto sem qualidade.
Samantha Coleman-Aller
Casa-Museu Medeiros e Almeida
Bibliografia
BAILLIE, G.H., Watchmakers & Colckmakers of the World, Londres, N.A.G. Press Ltd., 1966
BUFFAT, E., History and Design of the Roskopf Watch, Kingston Beach, Richard Watkins, 2007
CLUTTON, C., Britten’s Old Clocks & Watches and their Makers, London, Methuen, 1982
CORREIA DE OLIVEIRA, F., Dicionário de Relojoaria. O Universo do Tempo e dos seus Medidores, Lisboa, Âncora Editora, 2007
GUYE, S. e MICHEL, H., Mesures de Temps et de l’Espace. Horloges, montres et instruments anciens, Fribourgo, Office du Livre, 1970
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Webgrafia
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http://www.musketeer.ch/watches/roskopf.html
Watch-Collector’s Paradise, ROSKOPF – Georges Frédéric, La Chaux de Fonds
http://www.datacomm.ch/rbu/roskopf.html
Fondation de la Haute Horlogerie
https://www.hautehorlogerie.org/en/encyclopaedia/famous-watchmakers/s/georges-frederic-roskopf/